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Eleições nos EUA: livro de Kamala conta pouco sobre ela – 28/08/2024 – Mundo

Aos 59 anos, Kamala Harris ainda precisa ensinar as pessoas a dizer seu nome —a ênfase é na primeira sílaba. É o que ela faz nas primeiras páginas de sua autobiografia “As Verdades que nos Movem”.

Kamala publicou o livro, que chega agora ao Brasil pela editora Intrínseca, como uma peça de campanha em 2019. Preparava-se para disputar a nomeação do Partido Democrata para as eleições do ano seguinte. A sigla escolheu Joe Biden, que acabou presidente.

Mas a lição segue necessária. A poucos meses da próxima eleição presidencial americana, ainda há —no país e fora dele— quem erre na hora de falar o nome dela.

Um dos desafios de Kamala nesta reta final é definir a si mesma. Mesmo sendo vice-presidente, não tem o perfil de candidatos anteriores, que ou vinham de dinastias políticas ou já eram veteranos de Washington.

Antes de ser vice, ela cumpriu apenas um mandato no Senado. Sua carreira, até então, tinha sido construída na Costa Oeste. Foi procuradora de San Francisco e depois do estado da Califórnia.

Essa necessidade de se explicar reaparece mais adiante na autobiografia em um dos tantos ditados repetidos por sua mãe: “Não deixe que ninguém diga quem você é. É você quem diz às pessoas quem você é”.

Seu rival, o republicano Donald Trump, tem tentado orientar o público sobre quem Kamala é, espalhando mensagens que podem prejudicar a campanha dela. Ele e seus aliados fazem questão de pronunciar o nome de Kamala de maneira errada, enfatizando a segunda sílaba.

Uma das coisas ditas por Trump é que Kamala não se identificava até há pouco como negra. Em 31 de julho, por exemplo, afirmou que ela sempre se identificou como indiana. Isso porque a candidata é filha de Shyamala Gopalan, nascida na Índia, e do jamaicano de origem africana Donald Harris.

Ela conta outra história em seu livro. Nas descrições de sua juventude, apresenta-se como alguém que desde cedo se enxergou como parte da população negra, algo que moldou sua carreira. Seus pais a criaram dentro de movimentos negros, levando-a a protestos pelos direitos civis.

Não por acaso Kamala fez a sua graduação na Universidade Howard, na capital americana, uma instituição que, em sua história, dedicou-se ao ensino de populações negras. Ali, militou na causa do antirracismo.

A autobiografia de Kamala é também uma resposta para outra recorrente acusação de seus detratores: a de que foi dura demais como promotora, levando multidões —em especial negros— para trás das grades.

A vice sabe que esse é um ponto fraco de sua campanha e passa boa parte do livro apresentando outra narrativa. Ela surge como alguém que sempre lutou pelos mais fracos, com histórias de como, na sua visão, implementou políticas públicas justas e decidiu melhorar o sistema por dentro. O tom de promoção incomoda, mas é parte do jogo.

Um dos exemplos que Kamala cita é o de um programa para reinserir ex-detentos na sociedade e, assim, impedir que voltem a cometer crimes. A democrata defende a legalização da maconha e o fim da guerra às drogas.

O livro se desenrola como uma plataforma de campanha. É, assim, mais informativo do que prazeroso. Não é fácil chegar até o fim. São poucos os momentos em que o leitor consegue enxergar por trás da armadura de palavras que Kamala forja.

Um desses raros momentos se dá quando ela conta como não passou de primeira no equivalente americano ao exame da OAB. É uma curiosa confissão em um país obcecado com o sucesso. Kamala passou na prova na segunda tentativa. Ou seja, não é um clímax nem uma emocionante história de superação.

O livro, para quem se interessar, tem de ser lido agora. Depois do pleito de novembro —quer ela ganhe ou não—, já vai estar velho. Kamala vai ter novas coisas a dizer sobre si, no perpétuo esforço de se explicar.

Fonte: Folha de São Paulo

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