Após a corrida eleitoral mais sangrenta de sua história, o Equador levou ao segundo turno dois ex-deputados: a esquerdista Luisa González, ligada a Rafael Correa, presidente de 2007 a 2017, e o empresário liberal Daniel Noboa, de centro-direita, que disputarão o cargo em 15 de outubro.
Com quase 93% das urnas apuradas, ela aparece com 33,3%, enquanto ele soma 23,6%. Pelas regras do país sul-americano, para ser eleito já no primeiro turno, um candidato precisa levar mais de 40% dos votos e ainda ter dez pontos percentuais de vantagem em relação ao segundo colocado.
Em terceiro lugar ficou Christian Zurita (16,5%), que substituiu Fernando Villavicencio, assassinado a tiros 11 dias antes do pleito. Em seguida, vêm o direitista Jan Topic (14,7%), o centrista Otto Sonnenholzner (7%) e o líder indígena Yaku Pérez (3,9%). Bolívar Armijos e Xavier Hervas não chegaram a 1% cada um.
O resultado ensaia uma volta da força de esquerda correísta ao Equador, que também somou vitórias nas eleições regionais em fevereiro. Do outro lado, estará um candidato que representa a elite econômica e empresarial, como ocorreu em 2021, quando venceu o banqueiro Guillermo Lasso, atual presidente.
Os equatorianos foram às urnas neste domingo (20) antecipadamente porque, em maio, Lasso dissolveu a Assembleia Nacional e convocou novas eleições para escapar de um impeachment, sob acusações de corrupção. Assim, o novo líder eleito só exercerá seu mandato por um ano e meio, até maio de 2025.
O tempo é considerado curto para resolver a crise na segurança vivida pela nação, que viu a guerra entre gangues de narcotraficantes explodir nas ruas e nas prisões nos últimos dois anos. A taxa de homicídios triplicou nesse período, de 7,8 para 25,9 por 100 mil habitantes, resvalando até na corrida presidencial.
A explosão da violência ocorreu num contexto de aumento da produção global de cocaína, que fez os estratégicos portos do país ganharem relevância na rota aos EUA, à Europa e à Ásia. Assim, grupos locais cresceram, armados e financiados por cartéis colombianos e mexicanos, sem qualquer preparo do Estado.
González é uma das únicas que propõe “reafirmar o monopólio do Estado sobre as armas” para reduzir a criminalidade —em abril, Lasso autorizou o porte de armas a civis ao decretar estado de emergência parcial no país. Ela também promete reduzir a impunidade, aperfeiçoar a capacidade de investigação e implementar programas educativos, sem detalhar como fará isso.
A ex-deputada já vinha se destacando nas pesquisas, mas havia dúvidas se o assassinato de Villavicencio lhe tiraria votos, já que ele era um grande opositor de Correa. Ela concorre pelo Movimento Revolução Cidadã, sigla fundada pelo ex-presidente, que se exilou na Bélgica após ser condenado por corrupção.
Já Noboa é filho do milionário Álvaro Noboa, que já tentou chegar à Presidência cinco vezes sem sucesso. Entre suas propostas para a segurança estão a militarização dos portos e das fronteiras para combater o tráfico de drogas. Ele também fala em criar empregos para jovens e atrair investimento estrangeiro.
Noboa foi uma surpresa, já que todos os outros candidatos estavam embolados atrás de González nas sondagens. Formado em administração pública na Universidade de Harvard, nos EUA, ele teve um perfil mais comedido como congressista, mas começou a se soltar desde que se candidatou à Presidência e cresceu depois de seu desempenho no debate eleitoral do dia 13, pelo jeito direto e claro de falar.
Os dois adversários que agora vão ao segundo turno perderam seus mandatos quando Lasso fechou a Assembleia, há três meses. Agora, também foram eleitos 137 novos legisladores, que assumirão em 26 de outubro —a sigla de González sai à frente até agora. Sem maioria na Casa, Lasso não conseguiu governar.
Contrariando o clima de medo e tensão que dominou a reta final da campanha, com a morte de um presidenciável e diversos outros episódios de violência armada envolvendo candidatos, o Equador atravessou este domingo de eleição sem registrar maiores incidentes.
A segurança dos locais de votação foi reforçada com efetivos maiores de militares na porta das salas e policiais nas entradas das escolas, revistando mochilas e bolsas. Em algumas cidades, os eleitores tiveram que passar inclusive por revistas corporais e detectores de metais.
Já os candidatos votaram sob um forte aparato de segurança. “Nas eleições passadas usei o TikTok, desta vez venho com colete à prova de balas”, disse o postulante Xavier Hervas, vestindo a proteção por baixo da camisa. Chamou a atenção o caso de Christian Zurita, substituto de Villavicencio, que usou um capacete e foi coberto por uma manta à prova de balas na hora de votar, após relatar ameaças.
Esse contexto não diminuiu a participação, como se temia: 83% dos eleitores equatorianos votaram, índice levemente superior ao dos últimos primeiros turnos. A soma de votos nulos e em branco também foi a mais baixa dos últimos dez anos (8,7%), apesar da grande indecisão que rondou o pleito “express”.
Além da crise na segurança, o novo presidente terá que lidar com outras questões. Mesmo com taxas de emprego estáveis, 52% dos postos de trabalho ocupados no país são informais —cifra que gira em torno de 40% no Brasil. Já a pobreza atingiu em dezembro 27% da população, nível mais alto que no pré-pandemia, período em que o Equador sofreu bastante economicamente.
Esses fatores, somados à piora da violência, levaram a um aumento das tentativas de migração legal e ilegal a outros países, principalmente aos EUA. Recentemente, os equatorianos se tornaram, atrás dos venezuelanos, a segunda nacionalidade que mais se arrisca a atravessar a perigosa selva de Darién.