Muito se pode criticar a gestão de Mauricio Macri (2015-2019), que tentou dar uma espécie de choque neoliberal na Argentina e fracassou, contraiu uma dívida enorme com o FMI (US$ 56 bilhões) e desgastou tão rápido sua imagem que nem sequer conseguiu ir para o segundo turno em sua tentativa de reeleição.
É preciso dizer, porém, que Macri representou, numa década em que o país vinha frustrado com a classe política (os anos 2000), uma renovação à direita do espectro político.
Foi no contexto pós-crise de 2001 que o empresário, um dos mais ricos do país, herdeiro do grupo Socma, criou o PRO (proposta republicana).
A ideia era responder ao grito de guerra das ruas —”que se vayan todos” (que todos vão embora), referindo-se à classe política tradicional— com políticos e empresários jovens e integrantes de think tanks. Eram adeptos do discurso de “desideologização”, vestiam-se de modo informal, sem gravata, não raro de sapatênis.
O certo é que Macri ocupou um espaço que estava vazio. O PRO cresceu e abraçou outras agrupações importantes, como a Coalizão Cívica (de Elisa Carrió), parte da União Cívica Radical (partido mais tradicional da Argentina), peronistas de direita e algo do que restava da UCDE (ou UceDê, formada por políticos liberais). A aliança passou a se chamar Juntos por el Cambio.
O PRO, hoje, domina a cidade de Buenos Aires, elegendo desde 2007 seu chefe de governo, entre eles o próprio Macri e agora, recém-eleito, seu primo, Jorge Macri.
Virar governo em 2015 marcou uma mudança no que era o espírito inicial do PRO. Logo o partido teve de fazer alianças, abraçar ex-inimigos (neste contexto, “voltaram todos”), além de manter políticas kirchneristas das quais tinham ojeriza (como os subsídios e o protecionismo).
Porém, Macri criou uma força política que até aqui é das majoritárias no cenário, e isso não é pouca coisa. Introduziu pautas de urbanização e desenvolvimento sustentável, deu agilidade a decisões (era famoso por suas reuniões de gabinete de apenas 10 minutos) e não confrontou a política de direitos humanos, muito menos se mostrou um negacionista da ditadura. Entrou em sintonia, enfim, com outros representantes da direita democrática na região, como Sebastián Piñera (Chile) e Juan Manuel Santos (Colômbia). Ao fim, transmitiu o poder a seu sucessor respeitando todo o rito institucional.
Uma reunião na calada da noite na última semana, porém, pode ter colocado o legado de Macri para a Argentina em risco. Junto com sua ex-ministra e candidata derrotada, Patricia Bullrich, reuniu-se em seu apartamento com Javier Milei. Ali, os dois decidiram apoiar o ultradireitista.
Essa decisão delicada tomada às pressas, sem consultar o resto do comando da aliança, provocou um racha na coalizão.
O mais enfático foi uma das figuras-chave do PRO, Horacio Rodríguez Larreta, que se sentiu deixado de lado e acrescentou que jamais apoiaria Milei, que costuma chamá-lo de rato, entre outros insultos. Outra foi Elisa Carrió, que afirmou não compactuar com um candidato que cometeria “crimes de lesa-humanidade”.
O esvaziamento se replicou nas províncias, com a saída do barco macrista de Geraldo Morales (Jujuy) e Alfredo Cornejo (Mendoza), ambos da União Cívica Radical.
Se o apoio de Bullrich e Macri ajudará ou não Milei no segundo turno, em 19 de novembro, é cedo para medir.
O que parece ter sido um tiro no pé foi a atitude de Macri, que colocou em risco de extinção a força política que ele próprio criou e que conquistou presença nacional, correndo o risco de esvaziar seu próprio capital político pessoal.
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