O primeiro debate das primárias do Partido Republicano teve negação do aquecimento global, promessa de terminar o muro na fronteira com o México e ataques a “ideologia de gênero”. E Donald Trump nem estava presente.
Na falta do líder nas preferências do eleitorado conservador –”o elefante que não está na sala”, como disse um dos moderadores do embate–, o público fez o papel de defender o ex-presidente, que preferiu divulgar uma entrevista pré-gravada na internet no mesmo horário.
Eventuais críticas a Trump foram recebidas com sonoras vaias da plateia de Milwaukee, no estado-pêndulo de Winconsin. O ex-governador de Nova Jersey, Chris Christie, um dos opositores mais vocais do empresário, foi quem mais sofreu com as reações.
Em determinado momento, os moderadores da Fox News tiveram que se virar para o público e pedir que deixasse Christie falar –no momento, ele afirmava que Trump desrespeitou a Constituição por não aceitar a vitória do democrata Joe Biden.
Por outro lado, elogios ao ex-presidente foram aplaudidos com vigor. Isso beneficiou especialmente Vivek Ramaswamy, o candidato que melhor incorporou Trump no embate entre os oito participantes.
O empresário e investidor de 38 anos nunca concorreu a um cargo público e ainda é em grande parte desconhecido do público. Midiático, ele foi quem melhor soube aproveitar a ausência do líder nas pesquisas, invocando polêmicas e entrando em seguidos embates –especialmente com Christie, que o chamou de “ChatGPT”, e com o ex-vice-presidente Mike Pence.
“Quem é esse cara magrinho com um sobrenome engraçado e o que diabos ele está fazendo no meio do palco do debate?”, disse Ramaswamy ao se apresentar, uma referência a um famoso discurso de um ainda desconhecido Barack Obama durante uma convenção democrata em 2004.
As semelhanças do filho de imigrantes indianos com Trump não param aí: vieram dele as colocações mais radicais da noite, como a afirmação de que a mudança climática é uma fraude e que há mais pessoas morrendo por culpa das políticas para enfrentar o problema, do que do problema em si.
Em seu perfil na rede social X, chamada até recentemente de Twitter, Biden postou: “A mudança climática é real, por falar nisso”.
Foi Ramaswamy também o defensor mais fervoroso de Trump, a quem vê como “o melhor presidente americano do século 21”. Ele ainda se comprometeu a perdoar o ex-presidente caso seja eleito, cobrando uma posição quanto a isso dos outros candidatos.
Nas buscas do Google nos EUA, Ramaswamy foi o primeiro a registrar uma disparada de interesse, superando Trump. Ao longo do debate, a procura pelo seu nome registrou mais picos que todos os demais, e ao final da noite, seu nome superava o dos demais nas estatísticas do buscador.
A “marretada” no empresário sugerida por um grupo de apoio ao governador da Flórida, Ron DeSantis, em um documento que circulou na imprensa no fim de semana, não aconteceu.
DeSantis tampouco foi alvo de muitas marretadas dos concorrentes, como era esperado, já que na ausência de Trump, era ele o candidato mais forte na preferência dos republicanos.
Literalmente no centro do palco –o critério da Fox foi posicionar os candidatos do centro para os extremos, conforme sua posição nas pesquisas–, o governador da Flórida tentou demonstrar força ao se negar a levantar a mão caso acreditasse que a mudança climática é resultado das ações humanas.
“Nós não somos crianças”, respondeu ele à proposta feira pelos moderadores.
DeSantis tentou ao máximo desviar de perguntas sobre o ex-presidente, defendendo que o partido deveria estar discutindo questões substanciais e olhando para o futuro, não para o passado.
Ele ainda repetiu que o Departamento de Justiça, órgão sob o guarda-chuva do governo Biden e responsável por duas acusações contra Trump, foi instrumentalizado pelo democrata para perseguir opositores.
Tim Scott usou a mesma linha de resposta para evitar uma posição mais contundente sobre Trump. Como esperado, o senador pela Carolina do Sul evitou entrar em embates e se envolver em polêmicas, mantendo o tom positivo que tem marcado a sua campanha. O resultado, porém, foi um debatedor apagado com falas genéricas, ofuscado com facilidade por Ramaswamy e Nikki Haley.
Como o empresário, a ex-governadora da Carolina do Sul e ex-embaixadora dos EUA na ONU soube aproveitar o espaço com uma boa performance –mais preocupada, porém, em projetar uma imagem de moderação e sensatez do que seu colega de palco.
O melhor momento de Haley foi na discussão sobre política externa, quando os candidatos foram questionados apoiariam envio de mais recursos à Ucrânia. Enquanto Ramaswamy e DeSantis afirmaram que os EUA deveriam investir na defesa de suas próprias fronteiras, a ex-governadora foi contundente ao explicar por que se envolver na guerra na Europa é do interesse americano.
“Uma vitória para a Rússia é uma vitória para a China. Ucrânia é a primeira linha de defesa para nós. Hoje [Vladimir] Putin matou [Ievguêni] Prigojin. Ele é um assassino”, disse. “Você [Ramaswamy] não entende nada de política externa, e isso é evidente.”
Ela também sustentou uma posição mais conciliatória em relação ao aborto do que seus concorrentes. Enquanto DeSantis, Pence e Scott foram enfáticos sobre serem “pró-vida”, Haley disse ser necessário humanizar a questão, e ser realista politicamente para chegar a uma legislação federal com a qual os democratas possam concordar.
Após a Suprema Corte tornar o aborto inconstitucional a nível federal no ano passado, delegando a cada estado definir sua lei, o tema naturalmente tornou-se pauta da disputa presidencial.
Democratas já falam em implementar uma legislação nacional garantindo o direito ao procedimento, enquanto republicanos se dividem entre um banimento federal ou deixar que cada estado decida.
Segundo o Google, as buscas pelo nome de Haley atingiram um pico nos momentos finais do debate. Mulher e de ascendência indiana, ela é vista como uma ameaça pelos democratas, no cenário pouco provável de conseguir a nomeação republicana, já que mal pontua nas pesquisas até agora.
A chance de vencer as primárias também parece ter ficado ainda mais distante para o ex-governador do Arkansas Asa Hutchinson e para o governador da Dakota do Norte, Doug Burgum. Ambos tiveram uma performance regular, sem momentos marcantes.
Como Pense e Christie, eles priorizaram falar de temas como responsabilidade fiscal, crescimento econômico, redução do tamanho do estado e inflação, em uma abordagem mais tradicional, quando comparada à linha “anti-woke” de DeSantis e Ramaswamy.
Os ataques a Biden, o provável rival de seja quem for o candidato republicano, se concentraram em sua política econômica. Logo na primeira pergunta, os candidatos foram questionados sobre a chamada “Bidenomics“, termo abraçado pelo democrata para se referir à sua agenda de aumento de gastos em infraestrutura e promoção de energia verde.
Na sequência de um clipe de um discurso do presidente sobre a Bidenomics estar funcionando, a Fox inseriu o trecho da música “Rich Men North of Richmond”, de Oliver Anthony. A canção, que em certo momento critica “os obesos explorando programas sociais” e “os homens ricos” da política, caiu no gosto de conservadores americanos e chegou ao topo das paradas do país.
As menções à investigação contra o filho de Biden, Hunter, pelo Departamento de Justiça também foram raras, apesar de ser um dos pontos fracos mais atacados por republicanos.
Veja quem participou do debate desta quarta (23)
Ron DeSantis
Em segundo lugar na preferência de eleitores republicanos, o governador da Flórida é o principal adversário de Trump na disputa. Alvo de ataques do ex-presidente, tem visto a candidatura minguar à medida que correligionários aglutinam apoio ao rival e diante de uma série de gafes na campanha. DeSantis dobra a aposta no radicalismo de Trump nas pautas das chamadas “guerras culturais”, como seu ataque ao que chama de “ideologia woke” ao assinar leis contra o ensino de diversidade sexual e questões raciais ou ao reduzir o limite legal para o acesso ao aborto para seis semanas de gestação. É considerado uma espécie de Trump mais jovem, sem as pendências na Justiça e resistência do corpo político —mas também sem o mesmo carisma.
Mike Pence
Vice-presidente durante o governo Donald Trump, foi chamado de traidor por apoiadores do ex-líder americano ao não apoiar a tentativa de reverter o resultado da eleição de 2020, vencidas por Joe Biden. Apesar disso, tem certo apoio entre a base conservadora mais religiosa. Pence foi deputado por Indiana de 2001 a 2013 e governador do mesmo estado de 2013 a 2017. Tem aparecido em terceiro ou quarto lugar nas pesquisas de intenção de voto de republicanos.
Tim Scott
Senador pela Carolina do Sul desde 2013, é considerado uma estrela em ascensão dentro do Partido Republicano, e por isso tem apoio de colegas importantes na legenda. Negro, se opôs a Donald Trump em questões relacionadas ao racismo e cobrou em mais de uma ocasião o ex-presidente por minimizar movimentos supremacistas brancos.
Nikki Haley
Ex-governadora da Carolina do Sul (2011-2017), foi embaixadora dos EUA na ONU (2017-2018) durante o governo Trump. Por ser mulher e filha de indianos, representa diversidade no partido. Tentou se contrapor a DeSantis ao afirmar que a Carolina do Sul estaria aberta a receber os parques da Disney após o governador da Flórida retirar isenções de impostos e de regulação benéfica que a empresa tem no estado.
Asa Hutchinson
Ex-governador do Arkansas (2015-2023), tem experiência na política partidária desde os anos 1980. É opositor de Donald Trump dentro do Partido Republicano, criticou correligionários que sustentam que a eleição de 2020 foi roubada e já pediu que o ex-presidente se retirasse da corrida à Casa Branca.
Vivek Ramaswamy
Sem experiência política, o investidor e ex-CEO de companhia farmacêutica ganhou notoriedade ao criticar ações de diversidade de empresas, bem como políticas ESG, que orientam negócios a partir de princípios ambientais e sociais.
Chris Christie
O ex-governador de Nova Jersey (2010-2018) tenta ganhar a nomeação do Partido Republicano pela segunda vez —na primeira, para as eleições de 2016, não conseguiu apoio suficiente, abandonou a candidatura e apoiou Trump. Christie, que já era cotado pelo partido para o pleito presidencial de 2012, passou de um apoiador de primeira hora do empresário para um ex-aliado. Agora, o ex-promotor federal deve se apresentar como uma terceira via entre Trump e DeSantis.
Doug Burgum
Governador de Dakota do Norte eleito pela primeira vez em 2016 e reeleito em 2020, fez carreira como empresário do setor de informática.