Tantos fatores estão envolvidos e são tão difíceis de conciliar os interesses das partes que a única certeza sobre as eleições presidenciais e legislativas deste sábado (13) em Taiwan é que ninguém realmente sabe qual rumo o conflito no estreito de Taiwan tomará uma vez que o novo presidente for eleito.
Mas o que ninguém descarta é que o resultado das eleições poderia acender a faísca de um confronto maior que envolveria a China e os Estados Unidos, as duas maiores potências econômicas e militares do mundo, em uma guerra de consequências catastróficas nunca antes vistas para a humanidade e o destino do mundo.
A tensão tem sido cíclica na região desde que, em 1949, o partido nacionalista Kuomintang (KMT) se refugiou na ilha e monopolizou o poder depois de ser derrotado na guerra civil pelos comunistas de Mao Tse-tung.
Houve duas crises com escaramuças intermitentes durante a Guerra Fria e após a aceitação do status quo de Taiwan como independente de fato, mas não de direito. Seguiu-se uma terceira crise nos anos 90, incluindo o lançamento de mísseis chineses, porque Pequim entendia que a ilha desafiava esse status e avançava em direção à independência. Agora, em um contexto completamente diferente, os equilíbrios parecem mais frágeis do que nunca.
Uma Taiwan livre e próspera valoriza hoje, acima de tudo, sua liberdade. Embora sua sociedade esteja politicamente polarizada, especialmente em relação aos caminhos que a relação com Pequim deve seguir, a rejeição de se integrar a uma China cada vez mais beligerante e despótica é quase unânime.
A deriva autoritária em Hong Kong, onde a outrora vibrante sociedade civil foi destruída, teve um impacto enorme na opinião pública taiwanesa. A fórmula de “um país, dois sistemas”, inicialmente concebida para Taiwan como uma opção atraente para os cidadãos, a fim de preservar as liberdades, tem sido um fracasso e uma decepção.
O desejo de Taipé entra em conflito frontal com a pretensão do Partido Comunista Chinês de recuperar a “terra sagrada” de Taiwan para a pátria mãe, apesar de sua pertença à China ser historicamente discutível. No recente discurso de fim de ano, Xi Jinping insistiu novamente: “a reunificação é inevitável”.
Taiwan é a peça que falta no ambicioso “sonho chinês” concebido pelo líder chinês, que tem em 2049, no centenário da fundação da República Popular, o horizonte de sua realização. O fato de Xi estar convencido de sua missão histórica e de que não terá oposição interna após acabar com a liderança coletiva dentro do partido não ajuda a dissipar os temores de uma escalada do conflito.
Podemos acreditar no Partido Comunista Chinês quando ele defende em sua retórica uma “reunificação pacífica” que encerre o que a propaganda oficial chama de “século de humilhação” ocidental.
A China não quer uma guerra agora, primeiro, porque não tem a certeza de vencê-la. E, em segundo lugar, porque sua modernização continua sendo sua principal prioridade e, nesse processo, sua dependência tecnológica dos EUA e do mundo ocidental continua evidente.
Ela tomou nota, portanto, da reação ocidental contra a Rússia por sua invasão da Ucrânia. Mas em duas circunstâncias isso poderia mudar. Por um lado, se Taiwan cruzar o que Pequim considera uma linha vermelha, como declarar independência, irá para a guerra, não importando as consequências.
Por outro, embora tenha outras opções, como o bloqueio da ilha, uma superpotência econômica e militar em ascensão como a China atual poderia invadir Taiwan no momento em que acreditar que pode fazê-lo com sucesso e com um nível aceitável de riscos e custos. Além da resistência mais ou menos numantina que Taiwan poderia apresentar, o principal risco para a China seria a entrada dos EUA no conflito.
A “ambiguidade estratégica” de Washington nas últimas décadas tem sido um fator dissuasório, já que a China não consegue prever a resposta dos EUA. Mas agora Washington tem suas próprias razões para impedir que Taiwan seja tomada pela China.
Não é apenas a guerra ideológica de nosso tempo entre democracias e autocracias, nem a desglobalização e rivalidade atual entre a maior potência do mundo e aquela que aspira a ser. Segundo diferentes analistas, se a China assumir o controle da chamada primeira cadeia de ilhas, onde está Taiwan, poderia projetar seu poder em direção à segunda cadeia de ilhas até o bastião americano de Guam e dividir o Pacífico em dois.
E não apenas isso: também comprometeria a manobrabilidade dos EUA com seus aliados regionais, que eventualmente teriam que aceitar uma “Pax Sinica” que perturbaria o equilíbrio no Pacífico e, portanto, na ordem mundial. Está em jogo o fim da hegemonia dos Estados Unidos na Ásia e a transição de poder para a China.
Neste contexto, como os taiwaneses votarão? É difícil prever, porque a sociedade taiwanesa é complexa, não há uma divisão ideológica clara entre esquerda e direita e a polarização política é extrema.
Os descendentes dos que chegaram à ilha em 1949 se identificam com o KMT, partido de tradição conservadora que não soube se renovar e, portanto, tem pouco prestígio entre os jovens. Ele aposta no diálogo com Pequim, mas sua excessiva proximidade com este, incluindo um acordo abrangente de cooperação com a China que provocou uma rejeição popular majoritária, o “movimento dos girassóis”, deu poder ao Partido Democrático Progressista (DPP) em 2016.
O DPP, de orientação liberal, atualmente no poder e com pesquisas a seu favor, representa o voto mais beligerante contra Pequim, mas é importante entender que em ambos os partidos há muitas nuances, inclusive com perfis abertamente antichineses no KMT e pessoas do DPP que não apoiam a independência.
Na verdade, o eleitorado taiwanês tem se caracterizado por punir líderes e partidos que colocaram o status quo em perigo, seja por sua aproximação com Pequim ou por impulsionar a independência da ilha. De acordo com uma pesquisa em um veículo de comunicação local, 46% dos taiwaneses acreditam que haverá guerra nos próximos cinco anos.
E, no entanto, enquanto os taiwaneses vivem rotineiramente as operações de influência e as incursões navais e aéreas da China em seu território, não há em Taiwan nada parecido com uma resistência organizada “à ucraniana”. Oficialmente, combate-se a desinformação e os ciberataques, há limites para a presença chinesa na economia nacional e no financiamento político e midiático, as infraestruturas críticas e o investimento em semicondutores da República Popular estão fortemente restritos.
No entanto, entre a população, a divisão é evidente, começando por uma elite próxima a Pequim pelos benefícios econômicos que o mercado chinês oferece. A falta de unidade é percebida como uma fraqueza no contexto de eleições que, talvez, marquem o futuro na área mais quente geopoliticamente do planeta.
As consequências podem ser desastrosas para os envolvidos, a economia global e a paz mundial. Nas eleições, segundo as forças políticas de ambos os lados do estreito, “uma questão existencial” é decidida, uma escolha “entre a paz e a guerra”.