Diversos sinais pelo continente sugerem que a composição do Parlamento Europeu, após as eleições de junho de 2024, vai se mover para a direita. A cerca de seis meses do pleito, no entanto, a tendência é que esse movimento não ameace o predomínio atual dos maiores grupos políticos —uma combinação de centro-direita, centro-esquerda e liberais.
São essas três forças —respectivamente, Partido Popular (PPE), Socialistas e Democratas e Renovar Europa— que costumam formar a base de apoio da Comissão Europeia, hoje presidida pela alemã Ursula von der Leyen. Apesar de ainda não ter anunciado suas intenções, seu nome é forte para um segundo mandato de cinco anos à frente do braço executivo da União Europeia.
No cargo desde 2019, Von der Leyen, do PPE, ganhou notoriedade nas respostas do bloco à pandemia de coronavírus e à Guerra da Ucrânia. Para se reeleger, ela depende da indicação dos 27 líderes dos países-membros e da aprovação no Parlamento.
Da vitória de Giorgia Meloni na Itália, em 2022, à de Geert Wilders, em novembro, na Holanda, ventos da ultradireita pairam no ar e devem ganhar vigor vindo de França e Alemanha, onde partidos pouco moderados acumulam bons resultados locais.
Em Paris, o Reunião Nacional, sigla de Marine Le Pen, lidera as intenções de voto para a eleição europeia, com 28%, segundo levantamento da Ipsos. Já o Alternativa para a Alemanha (AfD) venceu disputas importantes e se posiciona nacionalmente como o segundo partido mais popular, com cerca de 20%.
No Parlamento Europeu, os dois partidos compõem o Identidade e Democracia (ID), grupo com discurso eurocético e anti-imigração. Na última eleição, em 2019, eles ganharam 73 cadeiras. Segundo projeção do agregador de pesquisas Europe Elects, esse número pode subir para 87 assentos, posicionando o ID como a quarta maior força da Casa.
“É possível que a crise do custo de vida, com inflação e diminuição do poder aquisitivo, leve muitos eleitores a votar em partidos que prometem proteção, ainda que com uma retórica populista”, diz à Folha o cientista político Maurizio Ferrera, professor da Universidade de Milão. “Certamente haverá uma afluência para os partidos agrupados no Identidade e Democracia.”
Outra família política que deve sair das urnas fortalecida é a dos Conservadores e Reformistas (ECR), formada pela sigla de Meloni, Irmãos da Itália, o espanhol Vox e o polonês Lei e Justiça, os dois últimos recém-derrotados em seus países —Meloni, no entanto, mantém sua popularidade em cerca de 28%. Depois de ficar com 62 assentos em 2019, o grupo pode chegar a 83, segundo o Europe Elects.
Os dois grupos da ultradireita devem subtrair votos dos Verdes e dos liberais, que poderiam perder cerca de 20 cadeiras cada um, diz a projeção feita em novembro.
Apesar de também defender ideias nacionalistas e contra imigrantes, o ECR, que tem Meloni como presidente, procura adaptar o discurso anti-UE em uma abordagem “eurorrealista”, vendendo a ideia de que é necessário reformar a instituição por dentro. Meloni e Von der Leyen se aproximaram ao longo de 2023, especialmente em torno do combate à imigração ilegal, e não será uma surpresa se a italiana movimentar suas peças para engrossar o apoio à reeleição da alemã.
Cientes de que a imigração será um dos temas que a ultradireita vai explorar na campanha europeia —o que acaba tendo reflexos nas dinâmicas políticas internas de cada país—, líderes e eurodeputados buscam mostrar respostas aos eleitores. Na última semana, tanto a UE quanto a França, por iniciativa de Emmanuel Macron, de centro, aprovaram regras mais rígidas para o controle dos fluxos migratórios.
Outra agenda que deverá estar na mira da direita mais radical, seja na campanha, seja depois, no Parlamento, é o da crise climática, em especial as condições para a transição energética e possíveis efeitos em setores como agricultura, construção e transporte.
“Para atingir as próprias metas de emissão de carbono, a União Europeia vai precisar fazer mais e pode acabar afetando categorias importantes de eleitores. A extrema direita provavelmente vai tirar proveito desses medos”, diz o professor Ferrera. “Alguns já se opõem às políticas de descarbonização, dizendo que a emergência climática é supervalorizada; um pouco como fizeram na pandemia, contra a vacina.”
Já em relação à Ucrânia, outro ponto sensível para Europa em 2024, o ingresso do país ao bloco, que avançou mais um passo nas últimas semanas, não está entre os alvos da ultradireita. O apoio da UE aos ucranianos será sempre mais difícil, no entanto, diante da oposição do primeiro-ministro Viktor Orbán, da Hungria, um aliado do presidente da Rússia, Vladimir Putin.
Com poder de veto no Conselho Europeu, que reúne os 27 líderes do bloco, Orbán se declarou contrário ao ingresso da Ucrânia e bloqueou um pacote de € 50 bilhões para Kiev. As conversas sobre a ajuda financeira devem ser retomadas em janeiro, com os europeus pressionados não só pelo desenrolar da guerra, mas pelo calendário eleitoral dos Estados Unidos, que vão às urnas em novembro.
Uma eventual vitória de Donald Trump pode minguar recursos americanos para Ucrânia. Em sua primeira passagem pela Casa Branca, o então presidente insistiu para que os europeus gastassem mais com a própria defesa. “Se Trump ganhar, deverá ter uma agenda ainda mais voltada para dentro dos EUA, e isso criará um vazio, o qual a Europa terá de escolher se preencher ou não”, afirma Ferrera.