Como requer seu papel de primeira-ministra de um país fundador da União Europeia e presidente de turno do G7, a italiana Giorgia Meloni não diz publicamente qual resultado prefere na eleição para a Presidência dos Estados Unidos, no próximo dia 5. Mas é inegável que a visão ideológica e os laços históricos dela e de seu partido a fazem convergir na direção do republicano Donald Trump.
Assim como a proximidade de Meloni com o empresário Elon Musk, que se tornou personagem central da campanha de Trump. A relação dela com o bilionário se intensificou nos últimos anos em torno de questões como crise demográfica, imigração e inteligência artificial. No ano passado, ele foi recebido por ela na sede do governo, e, meses depois, participou de evento do Irmãos da Itália, partido de ultradireita fundado por Meloni.
Em setembro, ao ser premiada pelo think tank Atlantic Council, em Nova York, Meloni escolheu receber das mãos de Musk a homenagem. Em sua fala, ele a descreveu como “ainda mais bonita por dentro do que por fora”, enquanto a italiana lhe agradeceu pela sua “preciosa genialidade”, antes de discursar sobre valores ocidentais e patriotismo. As fotos dos olhares e sorrisos entre os dois provocaram um furor nas redes sociais, com insinuações de que estariam tendo um relacionamento —o que foi negado por Musk no X.
A ligação de Meloni e de seu partido com a esfera trumpista é anterior à chegada dela ao poder, que completou dois anos na última semana. Em 2019, quando o Irmãos da Itália tinha menos de 5% na intenção de votos, ela discursou na CPAC (Conferência da Ação Política Conservadora), encontro de expoentes de direita e extrema direita, com Trump como estrela. Ali, fez críticas estridentes à UE.
Em 2022, houve outra participação e, nas últimas duas edições, já no governo, ela enviou representantes de seu partido e do seu equivalente no Parlamento Europeu, os Conservadores e Reformistas (ECR), também liderado por Meloni. Em julho, o deputado Antonio Giordano (Irmãos da Itália), outro dirigente do ECR, esteve na convenção republicana, em Milwaukee, que selou a candidatura de Trump.
“Sou líder de um partido europeu que também tem o Partido Republicano entre os seus aliados. As minhas afinidades políticas no sistema americano são evidentes, e todos sabem disso. O que não me impediu de trabalhar muito bem com a administração Biden”, disse Meloni ao jornal Corriere della Sera, em julho. Com habilidade para se equilibrar no jogo político, seu apoio sem rodeios à Ucrânia é um dos motivos que favorecem a boa relação com o democrata Joe Biden, por quem foi recebida duas vezes na Casa Branca.
Além do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que prometeu brindar com “garrafas de champanhe” uma eventual vitória do republicano, Meloni aparece, no cenário europeu, como a líder de governo que menos tem razões para temer a eleição de Trump.
“Mais do que não temer, ela seria aquela que poderia se beneficiar de uma vitória de Trump. Os outros países europeus dificilmente conseguiriam tirar vantagens”, diz Filippo Simonelli, pesquisador de política externa italiana do Instituto de Relações Internacionais, em Roma.
Nas outras capitais, gestos e declarações do ex-presidente causam assombro, como as ameaças de tarifas comerciais e as falas sobre a Otan, a aliança militar ocidental, contra os países que não gastam seus 2% do PIB em defesa (inclusive a Itália) e contra o apoio dos EUA a Kiev.
Não que a Itália sairia ilesa dos efeitos de atitudes disruptivas de um segundo governo Trump. Mas o que o campo de Meloni espera é que ela seja reconhecida por ele como uma figura privilegiada no continente. Ao Financial Times o deputado Giordano disse que a italiana seria uma “interlocutora natural” para Trump, se ele quiser entender como lidar melhor com a Europa.
À diferença de Orbán, quase um pária nos círculos de poder europeu, Meloni superou desconfianças e se posicionou como pragmática na política externa, deixando iniciativas mais iliberais para dentro das fronteiras, como medidas linha-dura na segurança, restrições de direitos de famílias LGBTQIA+ e enfrentamentos com o Judiciário e intelectuais –posições também estimadas por Trump.
Na Europa, a italiana tem conseguido levar à mesa métodos controversos de controlar a imigração, atraindo a atenção da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e de políticos de outros campos, como o britânico Keir Starmer. Internamente, seu governo é o mais duradouro desde 2016, com intenção de voto hoje em 48%, quase cinco pontos a mais do que quando chegou ao poder.
Analistas esperam para ver quão tentada Meloni ficaria em abandonar a moderação se Trump voltar à Presidência, diante de um novo panorama internacional. Para o pesquisador Simonelli, seu pragmatismo é, acima de tudo, uma necessidade. “Os outros fundadores da UE e a Comissão Europeia são atores com os quais a Itália não pode abrir mão de ter boas relações. Tem pouca margem para o país fazer política externa não pragmática neste momento histórico.”