No momento em que o leitor se deparar com esta coluna, milhões de taiwaneses estarão a caminho das urnas espalhadas por todo o país. Há muitos candidatos à Presidência, mas só três realmente importam —Lai Ching-te, também conhecido como William Lai, o atual vice-presidente; Hou Yu-ih, ex-prefeito de Nova Taipé; e Ko Wen-je, ex-prefeito de Taipé.
As pesquisas apontam um cenário apertadíssimo. E o motivo disso é sobretudo a natureza do pleito neste ano, praticamente um plebiscito sobre como os taiwaneses querem gerir as relações com a China continental.
O governo independente de Taiwan é um acidente na história. Embora a ilha tenha um histórico de séculos de habitação por povos indígenas, sua configuração política atual é a última grande ferida aberta pela guerra civil de 1949, vencida pelos comunistas.
Na época, representantes do Kuomintang (KMT) liderado pelo ditador Chiang Kai-shek (ou Jiang Jieshi, na transliteração atual) fugiram para a ilha quando ficou claro que Mao Tse-tung sairia vitorioso no conflito, e de lá planejavam retomar o controle de toda a China.
Esse plano nunca se concretizou, mas nem por isso taiwaneses deixaram de se enxergar como “a verdadeira China”. Por décadas, seria impensável ouvir vozes majoritárias na política taiwanesa advogando por uma identidade cultural própria, separada dos chineses.
De fato, enquanto governou a ilha com mão de ferro, Chiang fez questão que permanecesse assim. Ele tornou a educação em mandarim obrigatória nas escolas em detrimento do dialeto nativo, o hakka; obrigou que filmes fossem produzidos na língua da pátria-mãe; renomeou ruas em homenagem a preceitos confucionistas tradicionais; e ergueu templos em homenagem a heróis chineses.
Embora diferenças ideológicas profundas separassem os dois povos no estreito, o senso de pertencimento a uma mesma origem tornava mais fácil o intercâmbio comercial e político, alimentando o longevo plano de reunificação.
Isso mudou. Hoje, estima-se que 67,9% da população se considere majoritariamente taiwanesa, enquanto 1,8% se diz chinesa e 27,9% afirma ser ambos, de acordo com uma pesquisa conduzida pela Taiwan New Constitution Foundation em 2021.
Sob o governo da atual presidente, Tsai Ing-wen, do Partido Democrático Progressista (PDP), a ilha também acelerou reformas curriculares nas escolas cujo objetivo principal é reduzir a importância da história da China continental e substituí-la por um senso de identidade própria.
Esta tendência se acentuou com uma postura mais assertiva da China de Xi Jinping acerca de uma reunificação a qualquer custo, além da consolidação de uma rejeição pública à ideia de “um país, dois sistemas” que Pequim implantou em Macau e Hong Kong quando os dois territórios voltaram ao controle chinês.
Com a dura repressão às manifestações nesta última cidade, muitos taiwaneses entenderam que reunificar-se com a China continental significa abrir mão de direitos civis e do sistema democrático tão duramente obtido após décadas de ditadura e lei marcial sob o governo de Chiang Kai-shek e seus sucessores.
Por uma margem estreita, o favorito nas eleições deste ano é William Lai. Até 2017, ele costumava se referir a si mesmo como “um trabalhador diligente pela independência de Taiwan”, o que aos ouvidos do Partido Comunista Chinês soa como convite à guerra.
Durante a campanha, Lai amenizou o discurso, mas posiciona-se firmemente a favor de afastar-se da China em prol de parceiros ocidentais. Prova maior disso é sua vice, uma ex-deputada que até há pouco tempo tinha nacionalidade americana.
Hou Yu-ih vem da mesma sigla de Chiang, o KMT, que ao longo dos anos se converteu de opositora feroz a parceira da China continental. Ele diz que não vai dar passos concretos rumo a uma reunificação, mas argumenta que aproximar-se de Pequim é a melhor forma de preservar a paz.
Ko Wen-je leva esta noção ao extremo e tem bom trânsito entre figurões comunistas —tanto que alguns o chamam de “China man”, homem da China. Hou e Ko ensaiaram uma chapa conjunta, mas o acordo naufragou.
Quem vencer dará o tom de uma era cada vez mais incerta nas relações com os comunistas. Especialmente diante da potencial vitória de Donald Trump nas eleições americanas, definir como gerir a ameaça de uma invasão chinesa (e quem estará à frente da ilha para defendê-la) será a principal pergunta por trás dos rostos disponíveis na cédula de votação taiwanesa neste sábado.
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