O futebol feminino está na moda — graças às deusas.
A seleção feminina espanhola de futebol conquistou neste último sábado (20, horário australiano) sua primeira Copa do Mundo, com uma bela final contra a Inglaterra que terminou em 1 a 0.
A vitória acontece depois de uma trajetória acidentada que incluiu uma goleada do Japão com um 4 a 0 em julho, um fraco desempenho na Eurocopa e a cisão entre algumas jogadoras e o corpo técnico da seleção, no que uns tantos órgãos de imprensa espanhóis apelidaram de “cisma” ou “drama” das 15 “rebeldes”.
Na última coletiva de imprensa antes da final, no último dia 19, em Sidney, Austrália, a zagueira espanhola Irene Paredes declarou: “a maioria de nós crescemos pensando que (este) não era nosso lugar… à medida que passaram os anos, subimos de nível”.
Num recado às novas gerações de jogadoras, completou: “então, [chegar à final] serve para que saibam que é possível, que este lugar também é nosso… isso também é história e nos faz verdadeiramente felizes”.
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Durante a entrevista, Paredes, 32, era observada de perto pelo técnico madrilenho Jorge Vilda, que exatamente um ano atrás esteve no centro de uma polêmica que culminou na retirada definitiva de 13 jogadoras da convocação para o Mundial.
Ao longo do dia 22 de setembro passado, logo após os maus resultados do time espanhol na Eurocopa, a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) recebeu e-mails de 15 jogadoras.
Todas, segundo comunicado oficial da própria RFEF, renunciavam à participação nos jogos de classificação do Mundial “enquanto não fosse revertida” a situação de conflito com Vilda, a qual, segundo citou a própria federação em comunicado oficial, estaria afetando “de forma importante (…) seu estado emocional (…) e saúde”.
Era sabido já há um tempo que existia insatisfação nos bastidores com as condições de treino e apoio às jogadoras.
Imediatamente após o comunicado da RFEF, porém, as 15 ganharam fama instantânea e simplista de “niñatas caprichosas” que pediam sumariamente a demissão do técnico sem argumentos claros — sem que houvessem dito isso textualmente.
Com o apoio do FUTPRO, sindicato do setor fundado em 2021 e do qual participam, entre outras, Paredes e Putellas, essas “caprichosas” e outras demandavam mais suporte técnico e humano para desenvolver a performance do time, menos do que ideal durante os últimos anos e especialmente durante a Eurocopa. E, para isso, queriam condições.
Depois do comunicado da RFEF condenando a atitude das jogadoras e citando um “catado” de declarações fora de contexto, o grupo respondeu, também em comunicado oficial: “desejamos o melhor para a RFEF, para a seleção e para nós em particular, sem entrar em guerras públicas”.
“Queremos uma aposta decidida por um projeto profissional em que se cuidem de todos os aspectos para obter o melhor rendimento de um grupo de jogadoras com as quais consideramos que se podem conseguir mais e melhores objetivos”.
Na época, o presidente da RFEF, Luis Rubiales, defendeu o técnico, filho do badalado preparador físico Ángel Vilda (conhecido por suas passagens pelo Barça, Atlético e Real Madrid e também ex-treinador da seleção feminina).
No comunicado, a RFEF declarou que as rebeldes somente regressariam “em um futuro à disciplina da seleção se assumem seu erro e pedem perdão”.
Na lista das 15 não estavam Paredes e tampouco Alexia Putellas, duas vezes Balón de Oro e lesionada durante a Eurocopa; no entanto, as duas posteriormente apoiaram publicamente suas companheiras.
Do grupo, somente um terço voltaria atrás e acabaria jogando na Copa, incluídas as três do FC Barcelona — Aitana Bonmatí (eleita melhor jogadora desta Copa), Ona Batlle e Mariona Caldentey.
Esta última, logo depois de bater a Holanda nas semifinais, aludiria ao conflito, dizendo: “Se no fim acabamos ganhando o Mundial, suponho que poderemos dizer que valeu a pena”.
A real é que ainda há muito o que fazer para melhorar as condições de trabalho das atletas — em uma pesquisa de âmbito nacional, dois terços das jogadoras de futebol espanholas confessaram sentir medo de viver suas vidas, o que inclui a maternidade, e perder suas carreiras. Também muitas declararam sofrer discriminação no ambiente de trabalho.
De todos os modos, os embates entre jogadoras e federação que pontuaram os últimos anos não são em vão. Entre as reivindicações das jogadoras finalmente implementadas ao longo dos últimos tempos estão a incorporação de um nutricionista no time, mais apoio fisioterápico em campo e rotatividade na recuperação entre treinos e jogos.
Além disso, também um plano de reconciliação familiar, que permite viagem e convívio com entes queridos e que conta com benefícios específicos para a maternidade e jogadoras mães de filhos pequenos. Conquistas de bastidores que, junto com o Mundial, também são históricas e merecem, hoje e siempre, nossos aplausos.
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