Oferecer o talento musical para o audiovisual era ideia persistente na inquieta personalidade criativa de Dinho Zampier. O compositor e produtor alagoano concretiza o objetivo com o lançamento da trilha sonora Outros Mares – A Casa, o Som e o Filme, nesta quarta-feira (25). Disponível na íntegra no canal dos Saudáveis Subversivos no YouTube, a obra foi produzida para o documentário Pedro Pedreiro – Artífice, Artista, Cientista e Cidadão (com estreia em 2025), ambos sob direção de Glauber Xavier.
“Embora não saía em versão física, trata-se de um ‘DVD’ de música instrumental em que registramos a participação dos músicos convidados no momento da elaboração dos arranjos para os temas de minha autoria”, explica Dinho Zampier, sobre o projeto originalmente concebido por Fernando Coelho e Glauber Xavier, e gravado durante a pandemia, em 2021.
É isso mesmo. Em todas as dez faixas de Outros Mares, a colaboração de Nathan Oliveira (trompete), Miran Abs (violoncelo e flauta transversal), Pedro Salvador (guitarra), Cris Braun (vocalizações) e do próprio diretor Glauber Xavier (baixo e percussões) foi realizada a partir de improvisos, sem conhecimento prévio das composições originais.
“O material foi feito assim, com músicos brilhantes, ‘jogando no escuro’, com muito improvisos”, atesta Zampier, que reforça o impacto do singular do processo de criação: “Esse álbum visual, além da beleza estética e musical, me fez enxergar nossos comportamentos diante de certos desconfortos. Essa coisa toda de compor sendo filmado com outras pessoas que admiramos, mas não temos convivência diária. Experimentamos e aproveitamos tudo ao máximo. Tudo isso se revela nos improvisos”.
Um aperitivo do experimento foi servido no último dia 15 de setembro, com a faixa Cordillera disponível para visualização no canal dos Saudáveis Subversivos – o grupo divide com a Sambacaitá os créditos de produção de Outros Mares.
“A obra criada pelo encontro de Dinho, músicos, filme e equipe é fruto de uma vivência de aproximação intensa e de uma metodologia acertada, pautada na improvisação e no jogo criativo”, elabora o diretor Glauber Xavier. “Incrível como cada um encontrava seu próprio espaço sem necessidade de ensaios ou preparativos muito elaborados“, aponta.
Gravações em Riacho Doce
As gravações de Outros Mares ocorreram em home estúdio montado exclusivamente para a ocasião – e em recanto com significado especial: uma das casas construídas por Pedro Vieira, o “Pedro Pedreiro”, protagonista do longa-metragem a ser lançado no próximo ano cujas músicas do DVD formam a trilha sonora.
O sobrado de feições rústicas e elegantes, encravado ao final de vale verdejante na zona rural do bairro de Riacho Doce, recebeu direção de arte de Didi Magalhães (Festival Carambola). Em cenário construído entre sala e cozinha, a obra captura intersecções no diálogo entre a música e o cinema, com os participantes assistindo a cortes do filme como inspiração para a criação dos arranjos.
Sob a direção de fotografia de Flávia Correia e lentes adicionais de Amanda Môa e Fernando Coelho, o foco encontra os artistas em pleno exercício: o olhar na tela e as mãos sobre teclas, cordas e tambores.
Entre melodias delicadas e ritmos pulsantes
A abertura com Mar do Riacho amalgama os principais aspectos do experimento logo na largada. O suntuoso arranjo de trompete de Nathan Oliveira é permeado pelo slide na guitarra de Pedro Salvador e pelas ranhuras do violoncelo de Miran Abs até repousar sobre cama aconchegante evocada pelo sintetizador de Dinho Zampier e o fraseado melódico seguinte de Miran. Detalhe: neste caso, nenhum dos participantes ouviu o que os demais gravaram previamente.
Entre melodias minimalistas delicadas (Totem/Panorama, Cajueiro e Totem/Memórias) e ritmos pulsantes (Estrada e Construtor), Dinho Zampier costura enredo sonoro com vida própria. Cris Braun, parceira de longa data, brilha com assobios (Passarinho) e vocalizações (Travessia). O próprio Pedro Vieira surge ao lado da irmã Eunícia Canuto em canto coral para música em sua homenagem (Tema para Pedro).
Com atuação tão abrangente quanto relevante, Dinho Zampier é reconhecido nacionalmente pela participação multifacetada em diversos projetos – do músico, arranjador e compositor que acompanha com protagonismo as prestigiadas carreiras de Wado, Mopho e Cris Braun ao band leader de projetos como Nigros, Figueroas e Otari.
Incansável e com múltiplos recursos, ele aguardava a oportunidade para compor e produzir para a Sétima Arte. Agora, conseguiu. E o resultado, em som e imagem, é surpreendente.