Posts desinformam sobre o caso do carro da Embaixada do Brasil em Sofia, capital da Bulgária, que foi apreendido com 55 quilos de cocaína ao ser flagrado por agentes da fiscalização aduaneira em um posto de controle de Kapıkule, na fronteira com a Turquia. Reportagens publicadas pela imprensa búlgara apontam que os funcionários da alfândega encontraram a droga em diferentes locais do veículo, totalizando 52 pacotes.
No carro estavam o motorista e um passageiro, que não tiveram as identidades reveladas. Ainda conforme os sites locais, ambos foram detidos sob acusação de tráfico de drogas.
Em nota, o MRE (Ministério das Relações Exteriores do Brasil) confirmou a apreensão. Segundo o órgão, o carro foi furtado nas dependências da Embaixada por um funcionário búlgaro. Após o ocorrido, ele foi demitido por justa causa. Não há, conforme o Itamaraty, participação de qualquer integrante do Serviço Exterior Brasileiro, ou seja, de quem tenha sido indicado a partir do Brasil para trabalhar na representação em Sofia. Uma reportagem de O Globo informou que o funcionário teria nacionalidade turca. Um novo contato foi feito com o Itamaraty para confrontar a informação, mas não houve resposta.
“O Ministério das Relações Exteriores, por meio das Embaixadas do Brasil em Sofia e em Ancara, está em contato com autoridades locais, colabora com as investigações e espera que o crime seja apurado prontamente”, cita o Itamaraty em nota.
Conforme publicou a agência búlgara BTA, em 26 de outubro, o diretor do departamento de combate ao tráfico de drogas da agência alfandegária da Bulgária, Stefan Bakalov, afirmou que o caso é complicado e envolve vários países. Ele disse também que outros detalhes da investigação eram mantidos sob sigilo.
Como a apreensão vem sendo alvo de desinformação nas redes, o Comprova traz detalhes sobre o que se sabe até agora sobre o caso.
Vídeos sem relação com apreensão
Em um dos posts analisados nesta verificação, o autor faz o uso de montagens com trechos de declarações do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, que não guardam qualquer relação com a apreensão do veículo da Embaixada do Brasil na Bulgária.
No vídeo publicado pelo autor, logo após uma narração com algumas informações sobre a apreensão, aparece uma gravação em que o ministro elogia a honestidade do presidente Lula.
A fala ocorreu durante reunião da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados no dia 25 de outubro de 2023. Na ocasião, Dino foi questionado pelo deputado federal Maurício Marcon (Podemos-RS), sobre suposta comemoração em presídios após eleição de Lula, em outubro de 2022.
“Sobre comemorações em presídios, não conheço esse assunto porque não tenho amigos em presídios. Então eu não sei se houve comemoração. Se o senhor tem essa informação, tem foto, tem filme… Então eu realmente desconheço esse fato de comemorações enfim. Me parece um pouco com essas histórias das imagens do 8 de janeiro que parece, por sua vez, com a história da Terra plana. É uma criação mental que fica circulando pela internet. Enfim, é o atual estágio da humanidade. Portanto, eu afirmo ao senhor, de novo, que o presidente Lula é um homem honrado, honesto, ficha limpa, orgulho do Brasil e um dos maiores estadistas da história do mundo”, declarou o ministro durante a reunião.
O conteúdo investigado traz, em seguida, um vídeo em que apresentadores de um telejornal aparecem gargalhando, como se reagissem à fala de Dino. O recorte foi retirado, no entanto, do trecho do telejornal Primeiro Impacto, do SBT, no momento em que os jornalistas tiveram uma crise de riso em razão de uma reportagem que estava sendo exibida naquele momento. A matéria mostra um homem suspeito de roubo que cai de uma motocicleta no momento em que tentava praticar o crime.
O Comprova encontrou o vídeo original da reportagem no canal da emissora de televisão, mas sem o momento em que os jornalistas riem da notícia. Porém, no YouTube, é possível localizar o vídeo que mostra tanto a reportagem, quanto a reação dos apresentadores. A publicação foi feita em maio de 2022, portanto, sem qualquer relação com a declaração do ministro da Justiça.
Montagem
Um segundo conteúdo investigado pelo Comprova sobrepõe uma imagem do presidente Lula com uma pilha de dinheiro em espécie a prints de notícias que tratam da apreensão de cocaína na Bulgária.
Não há informação, no entanto, que sustente uma vinculação do presidente ao caso envolvendo o veículo da diplomacia brasileira. Além disso, a imagem dele colocada no vídeo é uma montagem.
A partir de buscas reversas no Google, foi possível identificar que a imagem original, sem a pilha de dinheiro, foi tirada em uma coletiva de imprensa concedida por Lula à imprensa estrangeira em 28 de março de 2016, ocasião em que tratou de grampos telefônicos contra ele e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) divulgados pelo então juiz Sérgio Moro (União Brasil), atual senador.
Diplomata não foi preso
Um terceiro conteúdo sobre a apreensão de cocaína verificado pelo Comprova afirma que um diplomata brasileiro teria sido preso na ocasião. O Ministério das Relações Exteriores nega essa alegação. Também não há menção da imprensa local que sustente isso.
O vídeo também mostra a foto de um aparente tablete de droga embalado com uma foto de Lula e a expressão “faz o L”. A imagem é real, mas não envolve a apreensão na Bulgária. Ela foi originalmente publicada nas redes sociais pelo secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite, ao divulgar uma apreensão de maconha no município de Euclides da Cunha Paulista (SP).
Derrite removeu as publicações em 16 de setembro de 2023, após ter sido notificado extrajudicialmente pela AGU (Advocacia-Geral da União), que entendeu que os posts associavam o presidente ao tráfico de drogas. Lula não tinha relação com a apreensão no interior do estado.
Um narrador que aparece no vídeo ainda ironiza críticas anteriores que foram feitas ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) pela ocasião em que um sargento da FAB foi preso em flagrante na Espanha por transportar 37 quilos de cocaína em um avião de comitiva presidencial em missão oficial.
O militar Manoel Silva Rodrigues foi preso em 25 de junho de 2019. A FAB divulgou em 12 de maio de 2022 ter expulsado o sargento de suas fileiras. Em 5 de setembro deste ano, o Superior Tribunal Militar ampliou para dezessete anos e cinco dias de reclusão a pena dele, ao julgar recursos. A Justiça não vincula Bolsonaro aos crimes cometidos por Rodrigues.
O Comprova enviou mensagens diretas via TikTok para três perfis que compartilharam a apreensão com informações enganosas ou fora de contexto, mas não obteve retorno até esta publicação.
Por que investigamos
O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984. Sugestões e dúvidas relacionadas a conteúdos duvidosos também podem ser enviadas para a Folha pelo WhatsApp 11 99486-0293.
Leia a verificação completa no site do Comprova.
A investigação desse conteúdo foi feita por CBN e NSC e publicada em 1º de novembro pelo Comprova, coalizão que reúne 41 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, Estadão, Metrópoles e O Povo.