O ex-diplomata Ricardo Zúniga, que auxiliou o ex-presidente Barack Obama na negociação para a retomada das relações diplomáticas com Cuba, avalia que a situação piorou muito de 2014 para cá.
Dez anos depois que a ilha reabriu uma embaixada nos Estados Unidos e vice-versa, Zúniga avalia, em entrevista à Folha, que a condução do regime contribuiu para que centenas de milhares de cubanos deixassem a ilha. Agora, ele prevê uma situação ainda mais difícil com o governo Donald Trump e prega que Cuba precisa permitir reformas.
O senhor participou das negociações para a retomada das relações com Cuba em 2014. Dez anos depois, como avalia a relação?
Houve muitas tentativas ao longo dos anos para ter uma espécie de restabelecimento das relações entre EUA e Cuba, voltando à era Nixon. A razão pela qual tivemos todas essas comunicações ao longo dos anos foi porque Cuba é nosso vizinho. Pode ser um concorrente ideológico e um aliado da União Soviética durante a Guerra Fria, mas eles são vizinhos dos EUA e há uma enorme população cubana nos EUA.
Barack Obama viu o relacionamento com Cuba como um legado da Guerra Fria, que ele queria deixar firmemente para trás. E ele também acreditava que a abordagem americana não tinha sido bem-sucedida em alcançar o propósito, que era trazer mudanças positivas para Cuba e ter um vizinho mais democrático e assim por diante. As sanções dos EUA realmente fizeram nada ou muito pouco para avançar. Essa era a perspectiva dele.
O governo cubano demonstrou ao longo dos anos que não seria convencido nem forçado a ser mais democrático. A única coisa que realmente poderia ser feita era alterar as condições na ilha, focando os próprios cidadãos cubanos e seu bem-estar.
Quais foram as principais mudanças conduzidas?
Há duas coisas. Uma era dentro do que era possível sob o embargo e sob as sanções dos EUA. A administração Obama queria tirar o governo dos EUA do caminho e deixar que os cidadãos cubanos resolvessem seus problemas. Algo realmente simples, como permitir, mudar as regulamentações para permitir que os cubanos baixassem aplicativos em seus telefones. Parece simples, mas foi um grande negócio para os cubanos, e isso foi permitido durante o governo Obama. E havia menos restrições de viagem para que os americanos pudessem ir e fazer mais coisas mais facilmente em Cuba, dentro da lei. O turismo ainda era ilegal, mas todo tipo de viagem cultural cresceu significativamente.
Qual foi o principal impacto na sua visão para os cubanos, não só na ilha, mas aqui nos EUA?
Houve um boom nas viagens entre cubanos nos EUA para verem sua Cuba pela primeira vez em muitos casos, uma espécie de explosão de otimismo de que algo aconteceria, que haveria conexões. Muito mais cubano-americanos se envolveram e se interessaram por Cuba e em fazer o que podiam para ajudar a melhorar as condições lá e possivelmente fazer negócios.
Nunca foi como se pretendesse ser essa transformação rápida e automática do país, fomos muito realistas sobre isso. Quando se viu esse crescimento maciço nas viagens, ficou claro que havia uma possibilidade real de mudança na ilha. É por isso que Fidel Castro reagiu muito negativamente ao discurso que Obama fez em Cuba. Ele pensou da perspectiva dos conservadores revolucionários cubanos, que isso representava uma ameaça muito séria à mentalidade revolucionária e ao fidelismo.
Como está a relação hoje?
Eu diria que o relacionamento está bem ruim agora. A sequência é que tivemos essa abertura de relações diplomáticas em 2015, Obama vai visitar, faz um discurso onde fala sobre isso, que o futuro de Cuba está nas mãos de seus próprios cidadãos, incentiva o crescimento de pequenas empresas e outras medidas desse tipo. [Raúl] Castro reage muito negativamente a isso. E então vimos uma desaceleração na disposição cubana de seguir com um relacionamento mais positivo.
Quando Trump venceu, acho que eles perceberam que cometeram um erro ao não aproveitar a janela de oportunidade que existia sob Obama. Quando Trump assumiu, ele simplesmente reverteu tudo, colocou-os de volta na lista de terrorismo patrocinado pelo Estado etc. Isso realmente fechou a porta.
Desde então, tenho que dizer isso, para mim a coisa mais importante: não acredito que a liderança cubana tenha um caminho a seguir. Eles precisam permitir reformas. Eles precisam permitir um setor privado maior. Eles precisam acabar com sua insistência no planejamento centralizado e em uma economia liderada pelo Estado. Pelo menos na medida em que fizeram isso até agora.
E eles não farão isso porque significa abrir mão de poder político e talvez mais. Mas eles não farão isso. Então agora Cuba está presa. E é por isso que um milhão de cubanos deixaram o país nos últimos dois anos.
Depois com Biden, melhorou?
Ficou um pouco melhor, mas ficou muito ruim novamente quando cubanos prenderam 1.200 pessoas em julho de 2021 após manifestações lá. Havia duas coisas. Biden não foi tão longe quanto Obama; por exemplo, não os retirou da lista de patrocinadores estatais do terrorismo, o que teve um efeito real na economia cubana. E o governo cubano não foi particularmente cooperativo. E também havia muita pressão política. Bob Menendez, um senador democrata muito poderoso, era fortemente contra qualquer tipo de flexibilização das posições de Trump sobre Cuba.
O que esperar do governo Trump?
Acho que haverá pressão total novamente. O problema é que o resultado dessa pressão total e a falta de disposição do governo cubano para mudar é a saída de um milhão de cubanos. Quero dizer, centenas de milhares deles, acho que está mais próximo de 800 mil pessoas vieram para os EUA, e eles serão deportados. O que ele está dizendo com a pressão total, ele faria com que todos voltassem para Cuba.
E o governo cubano já disse que não pretende permitir que essa deportação em massa avance sob Trump. O problema é: acho que Obama colocou ênfase e foco em dar poder aos cidadãos cubanos comuns e focar no bem-estar deles. Agora estamos presos novamente em uma situação pior. Você tem um governo que não vai mudar e é aí que vamos colocar nosso foco novamente. E então acho que o país vai continuar a desmoronar.
Raio-X | Ricardo Zúniga, 52
Vice-secretário assistente para Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado dos EUA, é um dos principais responsáveis pela formulação de políticas para o Brasil no governo americano. Foi cônsul em São Paulo de 2015 a 2018. Antes, foi diretor sênior de Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional no governo Barack Obama, quando foi um dos responsáveis pela aproximação dos EUA com Cuba em 2014. Nasceu em Honduras e estudou relações internacionais e estudos latino-americanos na Universidade da Virgínia.