Quase metade dos vetos já exercidos pelos Estados Unidos no Conselho de Segurança das Nações Unidas derrubaram resoluções que tratavam do conflito entre Israel e Palestina.
De 1970 —quando o país usou o poder pela primeira vez— até a semana passada —quando Washington vetou a resolução brasileira sobre a guerra Israel-Hamas— foram 33 vetos em propostas relacionados ao tema de um total de 80, de acordo com dados do think tank Security Council Report e da ONU.
A contagem não considera vetos em decisões para admitir novos membros ou relacionados à eleição do secretário-geral da organização.
Na posição de presidente temporário do Conselho de Segurança, exercida até o final deste mês, o Brasil redigiu um documento no qual condenava ataques terroristas pelo Hamas, apelava para pausas humanitárias e defendia o respeito ao direito internacional. A resolução teve votos suficientes para ser aprovada, e assim teria teria sido, não fosse o veto americano.
A justificativa apresentada pela missão dos EUA na ONU foi a ausência de uma referência ao direito de Israel à autodefesa.
Em decorrência da postura americana, que blinda Tel Aviv de resoluções no Conselho, a situação entre Israel e Palestina é de longe a mais vetada na história do colegiado.
Para comparação, o segundo tema mais vetado pelos EUA, o apartheid na África do Sul, foi alvo de dez votos contrários, empatado com resoluções relacionadas às tensões entre Israel e Líbano.
Um tema recorrente dos textos vetados são condenações à ocupação ilegal de território palestino por assentamentos israelenses. Também foram derrubados textos apelando para o fim de operações militares na Cisjordânia, em Gaza e no leste de Jerusalém.
Nesta quarta, o Conselho votou uma resolução proposta pelos americanos sobre o tema. Em apoio a Israel, o texto enfatiza o direito de Estados se defenderem, mas também apela para o respeito do direito internacional e a necessidades humanitárias –linguagem pela qual o Brasil vinha pressionando os americanos para incluírem.
A resolução de Washington também não passou, vetada por China e Rússia —adversárias dos EUA na Guerra Fria 2.0. Ainda nesta quarta, foi votado também o texto proposto por Moscou —uma versão russa anterior foi vetada na semana passada. A proposta não teve o mínimo de votos necessários para seguir adiante.
Para ser aprovada, uma resolução precisa de apoio de nove dos 15 integrantes do Conselho, além de não ser vetada por nenhum dos cinco membros permanentes (conhecidos como P5, no jargão da ONU).
Além de EUA e Rússia, são membros permanentes a China, a França e o Reino Unido, refletindo a dinâmica de poder pós-Segunda Guerra Mundial, quando a ONU foi criada.
Os países, no entanto, possuem padrões de votação muito diferentes. França e Reino Unido, por exemplo, não vetam nenhuma resolução desde 1989. A China, por sua vez, tem usado mais o instrumento desde os anos 2000, e geralmente faz uso do poder em conjunto com a Rússia.
Considerando o período da União Soviética até os dias atuais, Moscou é quem mais vetou propostas no conselho –87 no total, já contando o veto desta quarta. No caso do país de Vladimir Putin, os temas preferencialmente alvo de veto são resoluções relacionadas à Síria e, por óbvio, à Ucrânia.
O uso do instrumento é a principal razão da inação do Conselho de Segurança, instância máxima da ONU cuja missão, oficialmente, é garantir a paz internacional. Em razão das divergências entre EUA, de um lado, e China e Rússia, de outro, temas de interesse geopolítico de cada lado ficam travados –como é o caso da situação Israel/Palestina.
Há diversos debates para reformar o instrumento. Uma pequena reforma chegou a ser aprovada no ano passado, prevendo a realização de uma reunião da Assembleia-Geral, que inclui os 193 países-membros da ONU, para discutir um veto no Conselho de Segurança. A ideia é permitir um momento de cobrança, mas, para especialistas, o efeito de um desestímulo ao uso do veto é praticamente nulo.
Em 2015, França e México propuseram que os membros permanentes abram mão do uso do veto em caso de “atrocidades em massa”: genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra em larga escala.
Embora tenha tido o apoio de 104 Estados-membros da ONU, incluindo o Brasil, dos cinco membros permanentes, só a França e o Reino Unido subscreveram a declaração.
Uma proposta semelhante veio de um grupo formado por 27 países conhecido como ACT (sigla para Responsabilidade, Coerência e Transparência), que trabalha no aprimoramento dos métodos do Conselho de Segurança. No entanto, entre os membros permanentes, novamente apenas Paris e Londres apoiaram a iniciativa. Entre os demais países da ONU, mas de 120 corroboram a mudança.