Ghassan Abu Sittah é um cirurgião plástico britânico que trabalha no Hospital al-Shifa, na Cidade de Gaza. “Não há lugar mais solitário no mundo do que a cama de uma criança ferida que já não tem família para cuidar dela”, escreveu ele nas redes sociais.
Abu Sittah trata feridos nos ataques lançados por Israel após o ataque do Hamas que deixou pelo menos 1.400 mortos em território israelense. Os bombardeios israelenses em Gaza já deixaram pelo menos 3.785 mortos e 12,5 mil feridos, segundo os palestinos.
Abu Sittah disse à BBC que cerca de 40% dos feridos que chegam ao hospital são crianças. “São pessoas que foram retiradas dos escombros de suas casas; todos têm ferimentos causados por explosões, há ferimentos horríveis com estilhaços e queimaduras.”
O cirurgião descreve as cenas que vê em Gaza como “o fenômeno da criança ferida, sem família sobrevivente”. “Todos os dias temos casos em que nos dizem que este é o único membro sobrevivente da família.”
O médico informou que tratou uma menina de 5 anos com queimaduras e outra menina de 4 anos também com queimaduras faciais e ferimento na cabeça. “Foram as únicas desenterradas vivas dos escombros da casa da família.”
O cirurgião disse que dias antes havia operado a filha de uma médica no hospital al-Shifa, em Gaza. A médica morreu nos bombardeios junto com seu outro filho, e a menina ferida foi a única sobrevivente.
Caroline Hausmann dirige a CFAB, ONG internacional que ajuda órfãos vítimas da guerra. Neste momento, a organização não pode estimar o número de crianças sem família. Mas ela afirma que o número será “enorme”.
Hausmann diz que as crianças são frequentemente exploradas. O Hamas levou quase 200 reféns israelenses, incluindo crianças e pessoas com deficiência, para Gaza. Acredita-se que estejam em andamento negociações para libertá-los junto a mulheres.
“Trabalhamos para conectar as crianças de ambos os lados com as suas famílias, independentemente das circunstâncias”, diz a diretora do CFAB. “Qualquer criança que perca os pais como resultado da guerra ficará traumatizada e enfrentará um longo caminho para a recuperação. Haverá centenas, senão milhares de crianças afetadas.”
Em Gaza, grupos que trabalham com refugiados afirmaram que já houve enorme procura por apoio psicológico e social para as crianças afetadas pelos ataques após 7 de outubro. “Com o trauma, o transtorno de estresse pós-traumático e a depressão que as crianças sofrem, a situação só pode piorar”, disse Tamara Alrifai, da agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos, a UNRWA.
O médico Abu Sittah disse que a sua família no Reino Unido foi visitada pela polícia antiterrorista britânica. Numa entrevista ao programa Newsnight, da BBC, ele afirmou que a sua família foi interrogada e que agora está consultando advogados.
“Preciso descobrir por que alguém achou uma boa ideia perguntar à minha esposa onde estou, quem pagou minha passagem e para qual instituição filantrópica eu trabalho”, disse o cirurgião. “É uma tentativa brutal de assédio, como se minha esposa não tivesse o suficiente com que se preocupar.”
Em comunicado, a polícia local disse à BBC: “Em 16 de outubro, agentes da polícia que responderam a uma denúncia de que um homem planejava viajar para uma zona de guerra compareceram a um endereço no norte de Londres, onde falaram com um dos ocupantes”.
A polícia acrescentou ter concluído que “o homem havia deixado o Reino Unido para fins humanitários”.
Abu Sittah diz que muitas pessoas no norte de Gaza não seguiram o aviso do Exército de Israel para se deslocarem rumo ao sul para evitarem serem atacados. Elas permaneceram em suas casas, diz, porque áreas supostamente seguras estão sendo atacadas “com a mesma ferocidade” que aquelas que não são.
O médico afirmou que “não é possível” esvaziar o hospital al-Shifa, onde a maioria dos pacientes está “gravemente ferida”.
Muitos dos que permanecem em suas casas no norte de Gaza também temem ser forçados a abandonar totalmente o território. “Tornar-se refugiado é uma parte muito importante da identidade palestina. As pessoas simplesmente não querem passar por isso novamente e é por isso que ficam.”
Este texto foi publicado originalmente aqui.