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Crianças feridas em Gaza vão para hospital na Itália – 30/03/2024 – Mundo

Autoridades de saúde na Faixa de Gaza calculam que mais de 32 mil palestinos tenham morrido desde que Israel iniciou os ataques à área, em 7 de outubro passado, em resposta a uma incursão liderada pelo grupo terrorista Hamas ao sul do Estado judeu que deixou 1.200 mortos.

Especialistas dizem que as crianças são particularmente vulneráveis às queimaduras e ferimentos graves provocados pelos bombardeios intensos ao que o território vem sendo exposto nesse período, especialmente em um ambiente urbano superlotado como é o caso de Gaza.

A explosão que feriu Shaymaa, 5, no vilarejo de Muwasi, no sul do território palestino, em janeiro, matou sua avó, feriu gravemente seu avô e mutilou o pé da menina, diz Lina Gamal, tia da criança.

Shaymaa foi levada às pressas para o Hospital Nasser, em Khan Yunis, onde os médicos decidiram rapidamente amputar seu membro. Gamal afirma que eles não tinham mais anestesia, álcool ou outros meios para limpar a ferida, o que os forçou a enxaguá-la com água turva. Realizaram uma cirurgia rápida e correram para ajudar os outros feridos que lotavam os corredores.

Shaymaa passou os três dias seguintes gritando sem parar. Gamal permaneceu ao lado da sobrinha durante as noites, sem dormir. E registrou-a em listas de organizações de ajuda humanitárias e governos para que ela concorresse a uma vaga em um hospital no exterior —fosse ele no Qatar, Emirados Árabes Unidos, Turquia ou Itália. A tia ainda se ofereceu como cuidadora de Shaymaa, já que os pais da menina precisavam cuidar dos irmãos dela.

Um mês depois, em fevereiro, após extensas verificações de antecedentes e negociações entre autoridades desses países com Israel, Egito e as entidades, Shaymaa foi escolhida para deixar Gaza.

Ela e Gamal, acompanhadas de outras crianças e seus respectivos cuidadores, viajaram então em direção à Rafah, enfrentando bombardeios israelenses e uma competição desesperada por comida. De lá, cruzaram para o Egito, do outro lado da fronteira, de onde foram levados de avião para a Itália, em um voo que para todos os presentes foi o primeiro de suas vidas.

No Instituto Ortopédico Rizzoli, em Bolonha, os médicos concluíram que Shaymaa precisaria de uma segunda amputação para reparar os danos ao local atingido e impedir que uma infecção se espalhasse.

Gamal conta que, ao ouvir a notícia, ela desabou no chão, soluçando. Ela tinha visto Shaymaa se tornar retraída e temerosa depois da primeira amputação, raramente rindo e chorando com frequência ao ver a própria perna.

“Quando trocam o curativo dela, ela não gosta de assistir. Toda vez em que vê a perna, grita, ‘cobre, cobre’, não para as pessoas, mas para ela mesma. Ela não quer ver”, diz a tia.

Shaymaa encontrou algum conforto na companhia de outra palestina refugiada, Sarah Yusuf, e sua cuidadora, Niveen Foad. Sarah, também 5, foi gravemente ferida em novembro em um ataque que atingiu a casa de sua família, em Zawaida, perto de Deir al-Balah, no centro de Gaza.

A ação matou o irmão de 2 anos da menina e fez com que a mãe dela, então grávida, ficasse com parte do corpo paralisada, conta Foad, 44, do pai de Sarah —o genitor está desaparecido desde o incidente.

Ela diz que encontrou Sarah com queimaduras por todo o corpo a a pélvis quebrada no Hospital Europeu, em Khan Yunis. “Quando a vi, ela estava num estado horrível. Decidi naquele momento: ‘vou adotar essa criança’.”

Naquela época, Foad já tinha fugido com a própria família da Cidade de Gaza, buscando refúgio em relação aos combates e ataques israelenses.

Ela instruiu as três filhas, de 3, 9 e 13 anos, a caminhar a certa distância umas das outras. “Falei: vamos andar como o Exército, um aqui, um ali, um acolá, para que se uma bomba cair, todos nós não morreremos”, relembra. As meninas resistiram, dizendo que preferiam se dar as mãos e ficar juntas.

Depois que a família acolheu Sarah, o marido de Foad a registrou para sair de Gaza. Foad concordou em ser sua cuidadora —não estava claro quem mais poderia cumprir esse papel— sob a condição de que pudesse levar suas outras filhas. As autoridades concordaram, e elas em dado momento cruzaram para o Egito.

Gamal, a tia de Shaymaa, conta que já havia estado no Egito antes da guerra, mas que ninguém mais tinha deixado o território palestino antes. Ao ver o avião militar, algumas mulheres perguntaram se todos os aviões eram assim por dentro —elas tinham visto fotos de voos comerciais, não de veículos do Exército—, e as crianças olharam pelas janelas maravilhadas com as ondas e paisagens abaixo.

A ansiedade em relação ao futuro continuou presente. A maioria das mulheres tinha esperança de chegar ao Qatar, onde poderiam encontrar parentes ou amigos. Os desalojados sabiam pouco ou nada sobre a Itália, seu idioma ou sua cultura. Também não sabiam, ao chegar lá, se teriam que buscar asilo, se poderiam trazer a família ou se seriam obrigados a sair.

Além disso, apesar da calorosa recepção no país europeu, as crianças não conseguiam esquecer as memórias de Gaza. Abdel Rahman Al-Naasan, 5, por exemplo, ficou morrendo de medo ao avistar um avião de seu quarto de hospital em Monza, no nordeste da Itália.

“Ele achou que ele nos bombardearia. Fechou os olhos, colocou as mãos nos ouvidos e se inclinou no chão”, diz sua avó, Rehab Al-Naasan. “Ele está aterrorizado. Toda essa geração de crianças está aterrorizada.”

Quando o bairro da família, no norte de Gaza, foi bombardeado no início de dezembro, três fragmentos de estilhaços atingiram Abdel, fraturando seu crânio. Seu irmão de 8 anos morreu.

Por enquanto, Abdel Rahman permanece no hospital com a avó. Com Sarah aguardando uma cirurgia, Foad e seus filhos se mudaram para um apartamento para refugiados em Bolonha. Gamal e Shaymaa estão em um abrigo para mulheres, vivendo junto de refugiados da Ucrânia e da Somália, e aguardando uma prótese enquanto vão ao hospital para sessões de fisioterapia.

Todos eles contam se sentir ao mesmo tempo aliviados por estar fora de Gaza e preocupados com todos os outros que ainda estão lá.

Fonte: Folha de São Paulo

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