Após um ano em um abrigo no Panamá, a menina brasileira Liliane foi repatriada nesta quinta-feira (5), com apoio do Ministério das Relações Exteriores, e ficará em uma unidade do Saica (Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes) em São Paulo.
Hoje com 2 anos e 2 meses, a criança cruzou a perigosa selva de Darién, um estreito inóspito entre a Colômbia e o Panamá, com a mãe, Sandra Mônica, natural de Angola, que morreu no trajeto. Liliane foi então direcionada ao abrigo para menores e ficou sob custódia panamenha.
Após a publicação de sua história em meados de setembro, o suposto pai de Liliane, também ele angolano, encontrou a reportagem por meio de parentes que vivem em Santa Catarina. Balduíno Mendes Maka, 38, segue em Luanda e não sabia sobre o paradeiro da filha. Agora ele busca uma forma de ir ao Brasil reunir-se com a menina.
Seu posterior contato com o Itamaraty desenhou um novo cenário no caso. Com um possível parente próximo de Liliane disposto e com desejo de criar a criança, viabilizou-se a repatriação da menina, que neste um ano quase dobrou de tamanho e começou a pronunciar suas primeiras palavras. Balduíno não consta na certidão de nascimento dela, que nasceu em São Paulo, onde vivia com a mãe.
Ele conta que Sandra Mônica fez a perigosa rota migratória por terra para chegar aos Estados Unidos a contragosto dele. Os dois se comunicavam diariamente por mensagens. “O plano não era sair do Brasil, mas ela foi induzida a fazer essa rota por outros imigrantes que moravam perto dela na República [região central de São Paulo].”
Sandra imigrou para o Brasil grávida de seis meses, em busca de condições melhores de vida, como tantos outros angolanos. Dados públicos revelam que a migração angolana para o Brasil nos anos de 2022, quando a mãe de Liliane emigrou, e 2023 é recorde na série histórica —em torno de 3.600 em cada ano.
Muitos desses imigrantes querem se estabelecer no Brasil, mas tantos outros usam o país como trânsito para chegar aos EUA.
Balduíno Maka manteve contato diário com Sandra até o dia 22 de dezembro de 2023, quando parou de receber mensagens e atualizações do estado da esposa e de Liliane. Até então, enviava dinheiro por meio de uma empresa de transferências internacionais para ajudá-las na travessia. Nessa data, as duas já estavam na selva de Darién.
Poucos dias antes, Sandra havia mandado o último vídeo com Liliane para Balduíno. Ela estava na Colômbia, onde precisava pegar uma lancha para cruzar o chamado golfo de Urabá e chegar à entrada da selva.
“Agora falta o barco e selva. Vamos passar essa noite aqui. Que Deus me conceda boas pessoas para me ajudarem com a criança. Que Deus me ajude na mata”, dizia, em um pedido tão comum aos migrantes que enfrentam a travessia, como em um presságio do que aconteceria.
As circunstâncias da morte de Sandra são desconhecidas. O que se sabe é que Liliane chegou ao lado panamenho de Darién levada por outros imigrantes, que relataram a morte da mãe. Subnotificadas, mortes na chamada “selva da morte” não são incomuns.
O caso está longe do fim. Balduíno já havia tido um pedido de visto anterior feito à embaixada do Brasil em Angola negado por falta de documentação. Com essa situação, contatou novamente a representação diplomática, que disse a ele que para conceder o visto seria preciso que Balduíno comprovasse o vínculo de paternidade, o que poderia ser feito por meio da Justiça brasileira. Ele precisaria realizar um exame de DNA. Balduíno afirma que nenhuma das clínicas que buscou em Luanda aceita realizar o exame à distância.
Seu primo, que mora em Santa Catarina, também diz estar disposto a ajudar com a menina.
A migração pelo estreito de Darién, por onde passam imigrantes da América do Sul e de países como Afeganistão, China, Índia e Paquistão, diminuiu em meio a políticas linha-dura do presidente panamenho, José Raúl Mulino. Neste ano, 286 mil imigrantes cruzaram a selva. Em 2023, foram mais de 520 mil.
Como estratégia, Mulino buscou apoio dos EUA, o destino final da onda de migrantes, e com o governo de Joe Biden firmou um acordo por meio do qual Washington financia os voos de deportação de imigrantes em situação irregular no país.
Não está claro se Donald Trump, expoente da política anti-imigração que assume a Casa Branca em janeiro, seguirá destinando a verba ao país da América Central.
Nos últimos seis anos, 17 mil crianças brasileiras fizeram essa perigosa rota. São, como Liliane, filhos de imigrantes que estavam no Brasil mas emigraram em busca de melhores condições de vida nos EUA.