A vitória da AfD (Alternativa para a Alemanha) na eleição regional do estado alemão da Turíngia neste domingo (1º) deve colocar à prova o chamado cordão sanitário no país —apenas este acordo tácito de que nenhum partido tradicional vai colaborar com a AfD impede a chegada da extrema direita ao poder, algo que não acontece, mesmo a nível local, desde a derrubada do nazismo há 80 anos.
A Alemanha realizou eleições para os parlamentos de dois estados no domingo, e a AfD, sigla oficialmente considerada extremista de direita pelos serviços de inteligência internos do país, venceu com tranquilidade na Turíngia, com 32% dos votos, e ficou atrás apenas do partido de centro-direita CDU (União Democrata-Cristã) na Saxônia, com 30,5% contra 31,9%, de acordo com as estimativas mais recentes.
Agora, os partidos devem começar as negociações para formar um governo com maioria nos Legislativos estaduais e eleger governadores —que são escolhidos através de uma votação no Parlamento. Todas as outras siglas já disseram que se recusam a cooperar com a AfD, considerado um partido não democrático por sua proximidade com grupos neonazistas e posições extremistas.
A sigla, por sua vez, diz querer conversar com os outros partidos para organizar uma coalizão, em mais uma tentativa de enfraquecer o cordão sanitário, cuja manutenção deve exigir alianças pouco ortodoxas na política alemã nos próximos dias.
Na Saxônia, o bom resultado da CDU significa que impedir a AfD de chegar ao poder deve ser mais simples: o partido de centro-direita pode formar uma coalizão com o SPD (Partido Social-Democrata da Alemanha), com quem já trabalhou no passado, e com a BSW (Aliança Sahra Wagenknecht), novo partido de centro-esquerda com posições de direita na imigração que conquistou 11% dos votos no estado, de acordo com projeções.
Ainda assim, uma aliança da CDU com a BSW seria, no mínimo, curiosa. Por questão de princípio, a sigla de centro-direita da ex-primeira-ministra Angela Merkel não coopera com o partido A Esquerda, de onde veio a BSW e sua líder, Sahra Wagenknecht, por entender que se trata da agremiação sucessora do SED (Partido da Unidade Socialista), que governou a Alemanha comunista durante a Guerra Fria.
Foi para a BSW, entretanto, que migrou boa parte da “linha-dura” da Esquerda, a que mais reluta em se distanciar do regime comunista da Alemanha Oriental —a própria Sahra Wagenknecht foi membro do SED. Mas a CDU já se disse aberta a conversas com o novo partido, que se tornou, como previam as pesquisas, incontornável para formar um governo que isole a AfD.
O presidente da CDU e provável candidato a primeiro-ministro em 2025, Friedrich Merz, disse na segunda que a possibilidade de uma coalizão com a BSW não lhe agrada “por se tratar de um partido centralizado em volta de uma única pessoa”, mas deu aval para que os braços estaduais da sigla conduzam as negociações como julgarem adequado.
As conversas na Turíngia serão mais desafiadoras. A vitória da AfD nesse estado e o desempenho regular da CDU, que deve obter cerca de 23% do voto, deve forçar uma coalizão com todos os outros partidos para que a extrema direita não chegue ao poder —o que implica no abandono, por parte da CDU, do seu veto em relação à Esquerda, partido do atual governador da Turíngia e que teve 13% do voto nas urnas, segundo levantamentos.
O premiê alemão, Olaf Scholz, disse que os resultados das eleições locais foram amargos —o SPD deve ter resultados de um dígito nos dois estados. Scholz instou os partidos tradicionais a formarem governos sem a extrema direita.
“Os resultados para a AfD na Saxônia e na Turíngia são preocupantes”, disse o premiê em comunicado à Reuters. “A AfD está prejudicando a Alemanha. Está enfraquecendo a economia, dividindo a sociedade e arruinando a reputação de nosso país.”