Em fevereiro do ano passado, Jason Miller, 49, surpreendeu pessoas próximas ao despedir-se abruptamente da rede social Gettr, que ele havia fundado menos de dois anos antes, para embarcar na pré-campanha presidencial de Donald Trump.
Naquela altura, a Gettr, uma ferramenta de postagens curtas, vinha crescendo como uma alternativa ao então Twitter pré-Elon Musk, ao atrair sobretudo usuários de perfil direitista.
Trump, por outro lado, ainda não tinha certeza nem se seria o candidato do Partido Republicano à Casa Branca, menos ainda da vitória.
O gesto de trocar o certo pelo duvidoso é revelador da fidelidade canina de Miller a Trump, de quem se aproximou no início da década passada após ter assessorado diversos candidatos republicanos ao Congresso americano.
Os percalços que ele enfrentou nesta trajetória, incluindo alguns escândalos, não foram suficientes para desgastá-lo perante o ex e futuro presidente.
Para o Brasil, a presença de Miller ao lado do novo presidente tem significado especial. Nos últimos anos, ele buscou desbravar o mercado nacional para a Gettr.
Em ao menos três visitas ao país, construiu uma relação próxima com Jair Bolsonaro e tornou-se um dos canais do ex-presidente brasileiro e seus aliados com o trumpismo. É especialmente ligado ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Na manifestação do 7 de setembro de 2022 na praia de Copacabana, em que Bolsonaro misturou comemoração cívica com comício eleitoral, Miller mandou instalar um totem inflável gigante de sua empresa na praia de Copacabana, com os dizeres, em português: “A nova rede social que luta contra a Big Tech. Chegou a hora de dizer o que pensa do jeito que quer”.
Como um gringo empolgado com o Brasil, encantou-se pelas churrascarias e pelo futebol, tornando-se fã do Palmeiras.
Numa visita em setembro de 2021, acabou detido para questionamentos pela Polícia Federal, no contexto do inquérito das fake news.
A suspeita era de que a então nascente Gettr estivesse se tornando um refúgio para extremistas bolsonaristas, interessados na promessa de que era uma rede em defesa da liberdade de expressão –em outras palavras, que não se preocupasse tanto com a divulgação de notícias distorcidas.
Liberado depois de três horas, encarou o caso com deboche. “Se eu soubesse que ficar detido por três horas me traria 100 mil novos seguidores no Brasil, teria ficado detido por seis horas”, disse.
No universo Trump, Miller é um misto de consultor e marqueteiro, sempre disponível para servir de anteparo ao chefe. Na campanha de 2016, esteve na linha de frente e acabou sendo recompensado com o cargo de diretor de comunicação da Casa Branca após a vitória do republicano.
Mas não chegou a assumir, abatido pela revelação de que teve um caso com uma ex-assessora da campanha, enquanto sua esposa esperava um filho dele.
Miller afastou-se formalmente de Trump, virando comentarista de veículos como as emissoras Newsmax e CNN. Também apresentou um podcast com Steve Bannon, guru da direita radical pelo mundo.
Mesmo longe fisicamente da Casa Branca, seguiu influente nos bastidores, tanto que foi chamado para prestar depoimento à comissão do Congresso americano sobre a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021.
Entre as revelações que fez, está a de que Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York que compunha o time de advogados do republicano, estava bêbado quando incentivou o então presidente a desafiar os resultados da vitória de Joe Biden.
Chamado novamente por Trump em sua tentativa de voltar à Casa Branca, Miller retomou o papel de porta-voz da campanha, que inclui distribuir caneladas bem ao estilo do candidato.
Ainda durante as primárias republicanas, desdenhou dos que tentavam fazer sombra ao papel de Trump no partido.
“Há dois tipos de republicanos no círculo de Washington. Os que percebem que o presidente Trump é o líder do Partido Republicano e os que são negacionistas”, disse. Em outro momento, foi direto na jugular dos dissidentes do trumpismo. “São uns perdedores”, afirmou.
Trump ainda não anunciou qual papel Miller desempenhará em sua administração, se é que terá mesmo algum.
Aliados dizem que ele tem mais aptidão para o embate político das campanhas e menos para o dia a dia da gestão. Seja como for, seguirá frequentando a Casa Branca, pronto para defender o patrão nos inúmeros embates que estão por vir.