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Como Suprema Corte dos EUA influenciou eleição – 29/10/2024 – Mundo

À medida que o dia 5 de novembro se aproxima, analistas políticos e a imprensa dos Estados Unidos se debruçam cada vez mais sobre pesquisas eleitorais, avanços em estados-chave e movimentações de eleitores indecisos na reta final da disputa entre Kamala Harris e Donald Trump.

Mas a corrida eleitoral de 2024, mais do que qualquer outra na história recente dos EUA, teve seus temas e até própria seleção de candidatos em grande parte definida pela atuação da Suprema Corte nos anos e meses anteriores, com decisões momentosas —como a que derrubou o direito ao aborto a nível nacional, em 2022, e a que deu a presidentes ampla imunidade, favorecendo Trump.

Parte desse protagonismo da Suprema Corte na disputa eleitoral se deve ao fato, também inédito na cultura política americana, de que o candidato republicano à Casa Branca responde a uma série de acusações na Justiça por diversas razões diferentes.

A começar pelos processos que tramitam em esfera estadual, Trump foi considerado culpado por um júri em Nova York no caso em que era acusado de pagar pelo silêncio da atriz pornô Stormy Daniels na véspera da eleição de 2016. Com a decisão, cuja sentença deve ser anunciada somente após a eleição, o republicano se tornou o primeiro ex-presidente da história dos EUA a ser condenado pela Justiça. No mesmo estado onde fez fortuna, Trump responde ainda por acusações de fraude e abuso sexual.

O caso em Nova York, entretanto, é o único no qual ele teve um revés até aqui. Na Geórgia, o ex-presidente responde a uma acusação de interferência eleitoral por suas ações logo após a derrota em 2020 para Joe Biden —o republicano pressionou autoridades estaduais para que “encontrassem votos” que dessem a ele a vitória no estado decisivo.

Mas o caso está paralisado depois que um juiz rejeitou as acusações contra Trump, e a defesa do ex-presidente tenta remover a promotora responsável pelo caso depois de revelações de que ela se envolveu sexualmente com outro membro da equipe jurídica da promotoria.

Em nível federal, o republicano responde a um processo movido pelo Departamento de Justiça, que o acusa de remover documentos confidenciais da Casa Branca e guardá-los na sua mansão em Mar-a-Lago, na Flórida. A investigação chegou a render uma operação do FBI contra o imóvel, mas a juíza responsável pelo caso, indicada ao cargo por Trump, acatou uma tese considerada pouco ortodoxa da defesa do ex-presidente e arquivou a acusação. Ainda cabe recurso contra a decisão.

Os outros dois casos importantes que constituíam as ameaças mais concretas à candidatura de Trump foram resolvidos diretamente pela instância mais alta da Justiça americana. Em março, o tribunal entendeu que uma decisão da Suprema Corte do Colorado de dezembro de 2023, que barrou a candidatura de Trump naquele estado, era inconstitucional.

O Judiciário do Colorado havia dito que o fato de Trump ter instigado apoiadores a invadir o Capitólio no 6 de Janeiro para tentar impedir a certificação da vitória de Biden caracterizava insurreição —e recuperou uma emenda pouco conhecida da Constituição americana, adotada logo após a Guerra Civil, que impedia pessoas que se insurgiram contra o governo federal de concorrer ao cargo de presidente.

Em março deste ano, a Suprema Corte derrubou a tese. Evitando julgar o mérito da acusação (ou seja, sem decidir se Trump cometeu insurreição ou não), o tribunal disse que os estados não têm autoridade para tomar uma medida como essa sobre um cargo federal, em especial o de presidente.

A decisão foi tomada de forma unânime, sem as tradicionais divisões entre juízes progressistas, indicados por presidentes democratas, e conservadores, indicados por republicanos. Entretanto, a maioria conservadora do tribunal, sem o apoio das três juízas mais à esquerda, aproveitou o ensejo e aprovou uma tese mais expansiva, dizendo que só o Congresso tem poder para barrar um possível candidato com base na emenda citada pelo Colorado.

Foi essa nova tese, para além da decisão unânime do tribunal de manter a elegibilidade de Trump, que acendeu alertas para analistas e estudiosos da Suprema Corte. Ao fechar a porta para qualquer futuro questionamento jurídico sobre a elegibilidade de candidatos ligados ao 6 de Janeiro e colocar a decisão na mão de um Legislativo altamente polarizado, o tribunal extrapolou o caso que analisava.

Assim, pareceu favorecer diretamente Trump e buscou se proteger do desgaste de julgar, em um eventual caso futuro, se o ex-presidente de fato cometeu insurreição. As juízas Sonia Sotomayor, Elena Kagan e Ketanji Brown Jackson ecoaram essa preocupação ao votar contra a tese, ainda que tenham apoiado manter Trump elegível no Colorado e em todos os outros estados.

Ainda assim, quando essa decisão foi publicada, analistas e parte da imprensa americana enxergaram um cálculo político em curso: ao julgar uma tese altamente polêmica (barrar Trump no Colorado abriria caminho para um caos eleitoral, com estados onde ele seria inelegível) em favor de Trump, a corte estaria preparando o terreno para impor uma derrota ao ex-presidente no seu pedido por imunidade em outra acusação.

Isso porque, no caso no qual o Departamento de Justiça buscava responsabilizá-lo criminalmente por suas tentativas de ficar no poder após a derrota em 2020, Trump alegava que presidentes americanos têm imunidade completa e não podem ser processados por quaisquer ações tomadas enquanto estiverem no cargo.

Esse era considerado o caso mais perigoso para o ex-presidente, e juristas esperavam que a tese, bastante expansiva, fosse facilmente derrotada na Suprema Corte depois de ser rejeitada nas instâncias inferiores.

Entretanto, em uma decisão bombástica que colocou expectativas de analistas de cabeça para baixo, a maioria conservadora dos juízes acatou parcialmente a tese da imunidade, dizendo que ela se aplica para atos oficiais do presidente, mas não para atos “não oficiais” —sem especificar em qual categoria se encaixariam as ações de Trump em questão.

A decisão foi compreendida como uma vitória inequívoca para Trump. Causou tanto alarme em setores progressistas (a hipótese foi levantada de que, agora, um presidente poderia mandar matar adversários sem ser responsabilizado por isso) que a frase de Sotomayor ao concluir seu voto contrário viralizou entre democratas: “com medo pela nossa democracia, apresento minha divergência”.

Mas a centralidade do tribunal nas eleições de 2024 não se explica apenas pelas decisões tomadas pelos juízes que afetam Trump diretamente. Passa também pelo intenso processo de politização, partidarização e guinada à direita da Suprema Corte nos últimos anos, um processo influenciado por Trump, responsável por indicar três dos nove juízes, e guiado por dois magistrados considerados a linha dura conservadora do tribunal: Samuel Alito e Clarence Thomas.

A dupla sofre uma série de acusações de parcialidade: Thomas aceitou presentes de um bilionário próximo ao Partido Republicano por anos, e o New York Times revelou que bandeiras e símbolos trumpistas foram hasteados em imóveis de Alito em mais de uma ocasião.

Alito foi o principal arquiteto da decisão que derrubou o direito ao aborto em todo o país em 2022. Essa medida foi resultado de décadas de lobby de setores religiosos da sociedade americana e de manobras do Partido Republicano que garantiram a maioria conservadora de seis a três —uma maioria composta por juízes cuja oposição ao direito ao aborto era conhecida.

Qualquer que seja o resultado da eleição no próximo dia 5, a politização da corte, cuja importância nos cálculos políticos dos dois partidos é a maior em décadas, deve se aprofundar. Caso Trump vença, é possível que a maioria conservadora, cujo alinhamento ao republicano está claro, depare-se com questões ainda mais graves para a democracia americana, uma vez que o ex-presidente dá indícios claros de que vai testar os limites de seu poder em um eventual novo mandato.

Por outro lado, se Kamala vencer, e a depender da força que tiver no Legislativo, pode sofrer pressões de seu partido para ampliar o número de vagas no tribunal e retomar um certo equilíbrio entre progressistas e conservadores. Mas a medida é polêmica e associada a regimes autoritários ao redor do mundo —o próprio ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro considerou uma proposta parecida em meio aos seus embates com o STF (Supremo Tribunal Federal).

Afastada essa hipótese, não é possível saber se novas vagas serão abertas na corte: nos EUA, o cargo é vitalício sem aposentadoria compulsória, e o mais comum é que juízes permaneçam no posto até morrer. Mas, se Trump vencer e indicar mais magistrados, será o presidente com a maior influência sobre o tribunal desde Ronald Reagan —uma influência que perdurará por décadas.

Fonte: Folha de São Paulo

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