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Como Israel monitorou o Hezbollah – 30/09/2024 – Mundo

Na guerra de 2006 com o Hezbollah, Israel tentou matar Hassan Nasrallah três vezes.

Um ataque aéreo falhou —o líder do Hezbollah havia deixado o local anteriormente. Os outros não conseguiram penetrar os reforços de concreto de seu bunker subterrâneo, segundo duas pessoas familiarizadas com as tentativas de assassinato.

Na noite de sexta-feira (27), o Exército israelense corrigiu esses erros. As tropas localizaram Nasrallah em um bunker subterrâneo, localizado abaixo de um complexo de apartamentos no sul de Beirute, e lançaram até 80 bombas para garantir que ele fosse morto, segundo a mídia israelense.

“Vamos alcançar todos, em qualquer lugar”, gabou-se o piloto do avião de guerra F-15i, do qual o Exército israelense disse ter lançado a carga letal, destruindo pelo menos quatro edifícios residenciais.

Mas a confiança do Exército e da segurança israelense, que nas últimas semanas infligiram uma série de golpes devastadores a um de seus maiores rivais regionais, esconde uma verdade desconfortável: em quase quatro décadas de combate ao Hezbollah, apenas recentemente Israel realmente virou o jogo.

O que mudou, disseram atuais e ex-agentes, foi a profundidade e a qualidade da inteligência que Israel conseguiu utilizar nos últimos dois meses, começando com o assassinato de Fuad Shukr em 30 de julho, um dos homens de confiança de Nasrallah, enquanto ele visitava um amigo não muito longe do local do bombardeio de sexta-feira.

Esses agentes descreveram uma reorientação em grande escala dos esforços de coleta de inteligência de Israel sobre o Hezbollah após o fracasso surpreendente de seu Exército muito mais poderoso em aplicar um golpe decisivo contra a milícia extremista em 2006, ou mesmo eliminar Nasrallah.

Nas duas décadas seguintes, a sofisticada divisão de inteligência de sinais de Israel, a Unidade 8200, e sua diretoria de inteligência militar, chamada Aman, trabalharam com vasta quantidade de dados para mapear a facção.

Miri Eisin, uma ex-funcionária sênior de inteligência, disse que isso exigiu uma mudança fundamental na forma como Israel via o Hezbollah. Ampliou-se o escopo para suas ambições políticas e crescentes conexões com a Guarda Revolucionária do Irã e a relação de Nasrallah com o ditador da Síria, Bashar al-Assad. À medida que o Hezbollah crescia, dava a Tel Aviv a oportunidade de dimensionar suas forças —quem estava no comando das operações, quem estava sendo promovido, quem era corrupto e quem havia acabado de retornar de uma viagem inexplicada.

“A Síria foi o começo da expansão do Hezbollah”, disse Randa Slim, diretora de programa do Instituto do Oriente Médio em Washington. “Isso enfraqueceu seus mecanismos de controle interno e abriu a porta para infiltrações em grande escala.”

A guerra civil síria também criou uma fonte de dados, muitos deles publicamente disponíveis para os espiões de Israel —e seus algoritmos— processarem. Os obituários, na forma dos “Cartazes de Mártires” frequentemente usados pelo Hezbollah, eram um deles, salpicados com pequenas informações, incluindo de qual cidade o combatente era e onde foi morto. Além disso, seu círculo de amigos postava informações nas redes sociais. Os funerais eram ainda mais reveladores, às vezes atraindo líderes seniores para fora das sombras, mesmo que por pouco tempo.

Um ex-político libanês de alto escalão em Beirute disse que a penetração da inteligência israelense ou americana no Hezbollah foi “o preço de seu apoio a Assad”.

“Eles passaram de altamente disciplinados e puristas para alguém que [ao defender Assad] deixou entrar muito mais pessoas do que deveria”, disse Yezid Sayigh, pesquisador do Carnegie Middle East Center.

Isso foi uma mudança para um grupo que se orgulhava de sua capacidade de repelir a aclamada habilidade de inteligência de Israel no Líbano. O Hezbollah explodiu a sede do Shin Bet em Tiro, no sul do Líbano, não uma, mas duas vezes nos primeiros anos da ocupação. Em um determinado ponto no fim dos anos 1990, Israel percebeu que o Hezbollah estava sequestrando suas transmissões de drones então não criptografadas, aprendendo sobre os próprios alvos e métodos das Forças de Defesa de Israel.

O foco ampliado de Israel no Hezbollah foi acompanhado por uma vantagem técnica crescente e, por fim, insuperável —satélites espiões, drones sofisticados e ferramentas de hackeamento que transformam telefones celulares em dispositivos de escuta.

Esses equipamentos coletam tantos dados que deles se encarrega um grupo específico, a Unidade 9900, que escreve algoritmos para vasculhar terabytes de imagens visuais e encontrar as mínimas mudanças, como um dispositivo explosivo improvisado à beira da estrada, uma ventilação sobre um túnel ou a adição repentina de um reforço de concreto, sugerindo um bunker.

Uma vez que um membro do Hezbollah é identificado, seus padrões diários de movimentos alimentam um vasto banco de dados, extraídos de dispositivos que podem incluir o celular da esposa e o hodômetro do carro. Qualquer desvio de rotina se torna um alerta para um agente de inteligência —uma técnica que permitiu identificar, por exemplo, os comandantes de nível médio de esquadrões antitanque.

Mas cada um desses processos exigiu tempo e paciência para se desenvolver. Ao longo dos anos, a inteligência israelense conseguiu uma base de dados de tal monta que seus aviões de guerra tentaram eliminar pelo menos 3.000 alvos suspeitos do Hezbollah nos primeiros três dias de ofensiva.

“Israel tinha muitas capacidades, muita inteligência armazenada esperando para ser usada”, disse um ex-agente. “Poderíamos ter usado essas capacidades muito antes durante esta guerra, mas não o fizemos.”

Essa paciência parece ter valido a pena para o Exército. Por mais de dez meses, Israel e Hezbollah trocaram fogo fronteiriço. Isso parece ter levado Nasrallah a pensar que ambos ficariam nisso, com linhas vermelhas bem definidas.

Mesmo assim, a possibilidade de que o Hezbollah tentasse o mesmo tipo de incursão que o Hamas havia realizado com sucesso em 7 de outubro —matando 1.200 pessoas no sul de Israel e levando 250 reféns para Gaza— foi suficiente para Israel evacuar as comunidades perto de sua fronteira com o Líbano. Cerca de 60 mil foram forçados a deixar suas casas.

Para criar as condições de retorno, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu parece ter liberado as capacidades ofensivas mais avançadas de Israel, segundo agentes a par das operações.

Isso incluiu a detonação sem precedentes de milhares de pagers há duas semanas, ferindo milhares de membros do Hezbollah com os próprios dispositivos que eles pensavam que os ajudariam a evitar a vigilância de Israel. A ofensiva culminou na sexta-feira (27) com o assassinato de Nasrallah, um feito que o antecessor de Netanyahu, Ehud Olmert, havia autorizado em 2006 e que as forças de Tel Aviv não conseguiram realizar.

Nos últimos meses, se não anos, a inteligência israelense aperfeiçoou uma técnica que permitia, pelo menos intermitentemente, localizar Nasrallah, que se suspeitava estar vivendo principalmente no subsolo em um labirinto de túneis e bunkers.

Nos dias após o 7 de Outubro, aviões de guerra israelenses decolaram com instruções para bombardear um local onde Nasrallah havia sido localizado. O ataque foi cancelado depois de pressão da Casa Branca, de acordo com um dos agentes israelenses.

Na sexta-feira, a inteligência parece ter localizado novamente sua posição —um bunker de “comando e controle”, aparentemente para uma reunião que incluía vários líderes seniores do Hezbollah e um comandante sênior iraniano da Guarda Revolucionária.

Em Nova York, Netanyahu foi informado da operação nos bastidores de seu discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, no qual rejeitou a ideia de um cessar-fogo com o Hezbollah e prometeu continuar com a ofensiva de Israel. Uma pessoa familiarizada com os eventos disse que Netanyahu sabia da ação para matar Nasrallah antes de sua fala na ONU.

A campanha não acabou. Ainda é possível que Israel envie tropas terrestres para o sul do Líbano para ajudar a criar uma zona-tampão. Grande parte da capacidade de mísseis do Hezbollah permanece intacta. “Nós os danificamos, e eles estão em um estágio de caos e luto”, disse a ex-agente Eisin. “Mas eles ainda têm capacidades muito ameaçadoras.”

Fonte: Folha de São Paulo

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