Meus colegas de Redação Jason Horowitz e Gaia Pianigiani têm um adorável relato sobre políticas familiares na província italiana de Trentino-Alto Ádige, que tem a maior taxa de natalidade de qualquer região em uma Itália envelhecida e despovoada.
Sua história é um retrato não apenas de uma matriz específica de políticas públicas, mas também da cultura que essas políticas podem ajudar a promover. Ela retrata, especialmente, o quanto a província oferece não apenas em termos de financiamento direto para os pais, mas também de uma tentativa mais abrangente de construir uma ordem social amigável às crianças.
Os pais da província “desfrutam de descontos em creches, produtos para bebês, mantimentos, cuidados de saúde, contas de energia, transporte, atividades extracurriculares e acampamentos de verão.” Os professores são encorajados “a transformar seus apartamentos em pequenas creches”, os locais de trabalho oferecem pausas para amamentação, e o saguão de um dos locais de trabalho está cheio de “folhetos anunciando mochilas ‘Bem-vindo Bebê’ carregadas com dicas para novos pais e livros ilustrados.”
Como um retrato de uma exceção amigável a famílias dentro de um contexto antinatalista, a história se encaixa nos argumentos de um novo livro de Tim Carney chamado “Family Unfriendly: how our culture made raising kids much harder than it needs to be” (não amigável para famílias: como nossa cultura fez a criação de filhos ser muito mais difícil do que o necessário), que foca as maneiras pelas quais a sociedade americana conspira para tornar a criação de filhos incrivelmente exigente, quase impossível.
Algumas das coisas que Carney descreve são um conjunto de hábitos que estão além do alcance de políticas públicas. (Não acredito que haja muito que o governo possa fazer para persuadir os pais a “tenha ambições menores para seus filhos”, para citar um dos títulos de capítulo mais marcantes). Mas parece que parte do sentimento de sobrecarga que vem com a criação moderna de filhos poderia ser mitigado, não apenas por meio de um benefício anual ou crédito fiscal, mas também por meio de pequenos sinais consistentes de apoio: o desconto familiar para compras gerais do mês, a opção conveniente de cuidados infantis em casa, o espaço aberto para brincar, o espaço de trabalho flexível.
Para o mundo desenvolvido não vai desaparecer em um futuro cinza e subpovoado, precisa haver alguma “mudança no ethos e na estrutura geral da criação de filhos”, como minha colega Jessica Grose colocou no ano passado, uma reconfiguração das expectativas parentais e sociais —reconfiguração tal que uma província italiana, de acordo com meus colegas, parece ter parcialmente alcançado.
Parte da explicação para a fecundidade especial de Trentino-Alto Ádige, sugerem meus colegas, reside em sua herança particular como um enclave germânico absorvido pela república italiana, o que pode gerar na região um interesse especial na sobrevivência de sua própria cultura. Da mesma forma, o livro de Carney discute a exceção israelense à regra geral de sociedades ricas terem taxas de natalidade abaixo do nível de reposição —uma exceção que inclui israelenses seculares, bem como os ultraortodoxos, e claramente tem algo a ver com um sentimento de responsabilidade nacional que o experimento israelense mantém.
E outro livro novo, “Hannah’s Children: The women quietly defying the birth dearth” (os filhos de hannah: as mulheres que desafiam silenciosamente a escassez de nascimentos), de Catherine Ruth Pakaluk, da Universidade Católica dos EUA, analisa um grupo diferente excepcional, mulheres dos EUA que têm cinco ou mais filhos, e encontra um sentimento de responsabilidade semelhante, geralmente religioso, como sua característica comum definidora.
Como traduzir esse sentimento da escala menor para a maior, de pequenas regiões, países e grupos particularmente religiosos para sociedades em massa, é uma questão cuja falta de respostas óbvias nos leva de volta ao pessimismo.
No mínimo, está claro que qualquer tipo extensivo de recuperação da fecundidade teria que desafiar as expectativas atuais e integrar estruturas de significado, hábitos de formação familiar e estilos de vida modernos de uma maneira que ninguém consegue prever ainda.
O que me leva aos smartphones. Uma das melhores críticas do livro de Carney, feita por Leah Libresco Sargeant, o associa à obra de Jonathan Haidt, “The Anxious Generation: how the great rewiring of childhood is causing an epidemic of mental illness” (a geração ansiosa: como a grande reestruturação da infância está causando uma epidemia de doenças mentais), sobre o efeito de smartphones, telas e redes sociais na infância e adolescência.
O livro de Carney tem uma discussão sobre os efeitos negativos do mundo das telas na vida familiar, e o de Haidt oferece um retrato do que deu errado com a infância ocidental na era dos smartphones —a perda de independência, brincadeiras espontâneas e interações face a face entre as crianças— que se encaixariam perfeitamente em “Family Unfriendly”.
Unindos as duas obras, Sargeant argumenta que as telas se tornaram, sem dúvida, um substituto para melhores formas de amizade familiar, uma maneira de lidar com as crianças em uma sociedade que não quer lidar realmente com toda a sua energia disruptiva, sua “não-adultez” irredutível. É uma nova maneira de fazê-las serem vistas e não ouvidas, ou nem vistas nem ouvidas: “Uma criança curvada sobre um telefone”, afinal, “é quieta, não interrompe e não precisa estar em público de forma alguma.” Se as telas estão possivelmente tornando-as mais infelizes, também as estão tornando mais dóceis de uma maneira que substitui qualquer transformação social maior que poderia torná-las bem-vindas.
Falamos um pouco sobre o livro de Haidt em nosso podcast de opinião do New York Times, e há muito mais a dizer sobre seu argumento e as críticas que ele gerou. Mas vamos ficar nessa discussão de como as telas ajudam a gerenciar a infância.
Todos os meus vieses me fazem concordar com o argumento antismartphone, e de fato minha forte suspeita é que a cultura que os smartphones criam —não apenas entre as crianças, mas também entre adultos de vinte e poucos anos— ajuda a explicar a aceleração da queda da fecundidade nos últimos anos. Mas como esses são meus vieses, é útil ir contra eles. Então, considere uma leitura diferente do argumento de Sargeant: se as telas tornam as crianças mais gerenciáveis, elas não deveriam potencialmente facilitar ter e criar filhos?
Sim, nesta linha do tempo, o uso das telas muitas vezes está entrelaçado com o “helicopter parenting” (a criação helicóptero) e a cultura obsessiva de conquistas, e pode alimentar tendências antifilhos no cenário social mais amplo. Mas assim como um fato básico da vida dos pais, um iPad realmente pode tornar uma longa viagem em família ou voo muito mais suportável para uma mãe ou um pai sobrecarregados.
Uma rede familiar de telefones realmente pode facilitar a conciliação da responsabilidade por várias crianças e todas as suas brincadeiras e atividades. Realmente existem momentos em que é aceitável que as crianças sejam vistas e não ouvidas, e para o entretenimento do streaming desempenhar um papel crucial em permitir que um pai coloque o jantar na mesa.
Na nossa discussão no podcast, talvez eu tenha sido um pouco mais otimista do que meus colegas sobre nossa capacidade de criar uma forma de infância mais livre de smartphones. Mas tenho que admitir que não vamos construir uma sociedade livre desses aparelhos em qualquer cenário que não seja apocalíptico.
Portanto, imaginar uma cultura transformada que seja mais amigável às famílias e acolhedora às crianças é necessariamente imaginar uma que utilize telas de todas as formas, mas com domínio sobre seus efeitos e intencionalidade sobre seu uso que ainda não fomos capazes de alcançar.