O encarceramento massivo da minoria étnica uigur em Xinjiang, o desrespeito aos costumes religiosos tibetanos, a erosão das liberdades civis em Hong Kong.
Estes são temas que os leitores mais atentos certamente se acostumaram a ver nas páginas deste jornal nos últimos anos da cobertura de China. Nesta semana, eles todos voltaram à baila com a Revisão Periódica Universal do país asiático no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Ao longo de um par de horas, dezenas de países se revezaram para analisar a situação dos direitos humanos por lá. Este é um processo corriqueiro, em vigor há quase 20 anos, e que recebeu especial atenção após o mesmo conselho acusar, em 2021, a China de estar “potencialmente” violando os direitos da minoria étnica muçulmana uigur.
Para Pequim, esta foi uma oportunidade de defender seus pontos de vista e flexionar sua força diplomática junto a parceiros do Sul Global —termo usado para se referir ao grupo de países emergentes—, que dependem dos chineses para investimentos ou empréstimos. Spoiler: as coisas não saíram exatamente como planejado.
No início da semana, a agência de notícias Reuters noticiou que os diplomatas chineses empreenderam uma ostensiva campanha de lobby, enviando cartas a países amigos em que antecipavam sua defesa.
Para os mais próximos, Pequim chegou até a sugerir quais tópicos do seu trabalho pela promoção dos direitos humanos deveriam ser elogiados nos 45 segundos a que cada país tem direito —como erradicação da pobreza extrema, participação feminina no mercado de trabalho, universalização de serviços públicos etc.
A campanha colou com aliados próximos como Venezuela, Bolívia, Cuba, Rússia e Belarus. Mas entre outros parceiros do Sul Global, sobretudo na América Latina, a forma como os membros do conselho se portaram indica que não será tão fácil para a China pedir que façam vista grossa.
O Brasil e a Colômbia, por exemplo, pediram imediata moratória na pena de morte. A China é o país que mais executa presos no mundo, embora os números exatos sejam considerados segredos de Estado e não sejam conhecidos.
A Anistia Internacional calcula que, todos os anos, milhares de presos recebem a pena capital por lá. Além disso, ao lado de Irã, Arábia Saudita e Singapura, o gigante asiático também seguiu aplicando execuções em 2022 a casos relacionados a tráfico de drogas, em violação direta à lei humanitária internacional que limita o uso deste tipo de condenação a crimes que envolvam “homicídio doloso”.
O México pediu proteção aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, enquanto Peru e Paraguai cobraram respostas a inúmeros pedidos de peritos da ONU para entrar no país e conduzir investigações sobre supostas violações aos direitos humanos. Isso incluiria não apenas a concessão de vistos, mas liberdade irrestrita para conversar com testemunhas sem risco de assédio governamental.
O Equador, que deve quantias substanciais à China, também pediu que Pequim aborde a questão dos direitos humanos de forma cooperativa. É uma recomendação importante, uma vez que o regime não os considera “direitos universais”. Ao longo dos últimos anos, conforme denúncias se amontoavam, a diplomacia adotou no seu léxico a defesa de uma “abordagem chinesa” do tema, em que interesses nacionais são pesados com igual importância na definição dessas violações.
Em geral, as revisões periódicas costumam valer pouca coisa, já que membros só podem fazer recomendações, não vinculantes. A China também costuma encher a sala com as chamadas GONGOs, ONGs que recebem apoio financeiro do regime e frequentemente adotam uma postura pró-Pequim quando recebem direito de fala.
Do ponto de vista da retórica, porém, é um sinal da dificuldade para Pequim em unificar sua narrativa e criar um bloco consistente a seu favor no órgão da ONU. É inegável que dinheiro vale muito —e o número de missões diplomáticas que passam pano em troca de alguns trocados só aumenta. Contudo, talvez comprar valores de alguns países do Sul Global quando expostos à toda a comunidade internacional saia um pouco mais caro.
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