Aos 75 anos, a serem completados nesta terça-feira (1º), a República Popular da China já pode ser descrita como maior potência econômica do planeta, em paridade de poder de compra —a forma considerada mais adequada para comparar economias, sem as distorções da simples conversão ao dólar.
Mas está longe de ser a maior potência militar, segundo Wang Huiyao, presidente do Centro para China e Globalização (CCG), think tank não estatal de Pequim. “No sentido econômico, é uma superpotência. Agora, se você fala sobre a área militar e outras, está muito, muito atrás dos Estados Unidos, atrás da Otan. Então não é super.”
Nas semanas que precederam a celebração, os jardineiros de Pequim estiveram ocupados trocando flores e podando plantas ao longo de avenidas e parques, embelezando a capital. A comemoração se limitará ao hasteamento da bandeira na praça Tiananmen, nada de parada militar, que só acontece a cada dez anos —a última foi em 2019.
Mas as últimas semanas foram também de movimentos nessas duas frentes de competição com os EUA, econômica e militar. Na primeira, sublinha Wang, Pequim “forneceu um grande estímulo, diante de alguma desaceleração pós-Covid e dado o mercado imobiliário” em crise há quatro anos.
Dia após dia, inclusive nesta segunda-feira (30), abrindo a Semana Dourada de viagens e compras no país, foram divulgadas medidas de incentivo não só ao mercado financeiro, mas ao consumo. Grandes cidades, como Guangzhou e Xangai, derrubaram restrições à aquisição de imóveis.
Talvez mais importante, quebrando uma resistência de décadas, o país anunciou na rede CCTV um programa para distribuir dinheiro a famílias chinesas em dificuldades, inclusive desemprego, logo seguido por um programa-teste de Xangai para distribuir cupons a serem usados em compras na cidade.
As medidas, conjugadas com a redução dos juros americanos pouco antes, levaram as bolsas chinesas ao seu melhor dia desde 2008, na véspera do Dia Nacional. “A China está estimulando o país de novo”, diz Wang. “Portanto, manterá seu crescimento [projetado para cerca de 5% neste ano] e sua estratégia de desenvolvimento da classe média.”
O analista lembra que a China, ao longo de quatro décadas, concentrou seu comércio nos países desenvolvidos. “Os maiores parceiros costumavam ser EUA, União Europeia, Japão. Agora são da Asean [Associação de Nações do Sudeste Asiático], é o Vietnã.” Não que Wang, que foi conselheiro econômico do Conselho de Estado, o gabinete chinês, e professor da Universidade de Pequim, seja crítico da política de abertura.
“Esses 75 anos, principalmente os últimos 45, depois que a China se abriu, são impressionantes”, diz. “Aquela expansão cresceu, tirou 800 milhões da pobreza e fez da China a maior nação comercial. São conquistas em uma supervelocidade nos últimos 45 anos. Nesses 75, está recuperando seu passado, porque a China sempre foi uma grande economia no mundo. Foi ficando para trás na história moderna, mas se recupera rapidamente agora.”
O afastamento comercial dos EUA se deveria às sanções e tarifas americanas, que a UE também passou a ameaçar. “Nós vamos ver mudanças”, avalia. “O crescimento do comércio com os países da Iniciativa Cinturão e Rota aumentou. Com países africanos, da Ásia Central, todos os países do Golfo. O Brasil, a Argentina. Com a dinâmica geopolítica, a China vai trabalhar mais com os países do Sul Global“, diz usando o termo não oficial usado pelo grupo para englobar os países em desenvolvimento. Sublinha o Brics e a “grande relação” com Brasília.
Insiste que a tendência chinesa, mesmo se desenvolvendo, será nessa linha. “Se você olhar os 5.000 anos, é um país baseado em agricultura, em que as pessoas ficam na terra. Confúcio dizia: se seus pais estão vivos, não se mude para longe. A cultura, a tradição é ficar. Mesmo agora, quando se torna uma supereconomia e, até certo ponto, uma superpotência política.”
Os movimentos das últimas semanas na outra frente de competição com os EUA, a militar, foram menos pacifistas, ainda que as ações de lado a lado tenham sido simbólicas —e voltadas respectivamente a atrapalhar e resguardar o marco dos 75 anos.
As Filipinas anunciaram que os EUA não retirariam em setembro, como prometido, os mísseis deslocados para supostos exercícios militares no país. A China respondeu com um teste de míssil balístico intercontinental, saltando as Filipinas e atingindo o oceano Pacífico. No sábado anterior ao Dia Nacional chinês, EUA, Filipinas, Japão, Austrália e Nova Zelândia realizaram exercícios no mar do Sul da China, nas ilhas em disputa. Pequim também fez, no mesmo dia e região.
Wang admite “até uma nova guerra comercial, tarifária”, mas não concebe um conflito armado. “Uma guerra quente é inimaginável”, diz. “Se acontecer, o mundo provavelmente vai acabar.” Afirma que “não há necessidade” e nenhuma família chinesa ou americana quer seus filhos numa guerra.
Wang editou e participa do livro “Escaping Thucydides’ Trap” (escapando da armadilha de Tucídides), com artigos e diálogos de Graham Allison, de Harvard. Pela teoria de Allison, quando uma potência em ascensão ameaça uma potência hegemônica, na maioria das vezes o resultado é guerra. O livro, que explora maneiras de evitar que isso aconteça entre China e EUA, foi lançado em março no CCG, em Pequim, e chamou a atenção do líder Xi Jinping.
“Quando Graham falou dessa armadilha, era sobre Esparta, a Grécia antiga, mas o mundo agora é totalmente diferente”, diz Wang, citando o risco nuclear e a economia global entrelaçada. “E na última vez [em que uma potência em ascensão ameaçou uma potência hegemônica] eram os EUA e o Reino Unido. Não houve conflito.”
Ele parece esperar que os EUA se cansem. “Veja, já foram duas administrações muito hostis à China, Donald Trump e Joe Biden, oito anos tentando conter a China com guerra comercial e essas mini-Otans, Aukus, Quad, em torno do país. A China ainda está aqui. Ainda está se desenvolvendo. Melhor aceitar a China como ela é.”
1949
- Em janeiro, as forças comunistas tomam as cidades de Tianjin e Pequim, e o líder nacionalista Chiang Kai-shek se retira para Taiwan, com as reservas em ouro e a força aérea e naval. São ocupadas Nanjing, então capital, Xangai e Xian, depois o sul do país, com exceção das ilhas de Hainan e Taiwan, para onde o exército nacionalista também se transfere. Em 1º de outubro, Mao Tse-tung proclama a República Popular da China, em Pequim.
1950
- A China entra na Guerra da Coreia, quando as forças do general americano Douglas MacArthur alcançam a fronteira sino-coreana. Ao final do conflito, em 1953, o desempenho das forças chinesas traz um apoio popular que se estende por anos.
1953 a 1957
- O primeiro plano quinquenal, seguindo o modelo soviético, inicia a rápida industrialização da China e é visto como bem-sucedido.
1956
- Com o anúncio pela União Soviética de uma política de desestalinização, Mao e outros líderes começam a questionar o modelo de Moscou. Em parte buscando se afastar dele, em 1958 o líder chinês lança o Grande Salto à Frente. No fim do ano, as colheitas vêm abaixo do esperado, entre outros problemas, iniciando o gradual abandono do Grande Salto. Muitas áreas rurais são assoladas pela fome.
1961 a 1965
- Mao deixa a administração central para Liu Shaoqi e Deng Xiaoping, cujos programas reavivam a economia para os níveis de produção de 1957. Ao mesmo tempo, Mao passa a ver a China seguindo o mesmo caminho do revisionismo que ele critica na União Soviética.
- A Revolução Cultural, instigada por Mao e Lin Biao, começa em novembro de 1965. A perseguição se concentra inicialmente em artistas e educadores.
1966
- Liu e Deng são afastados, enquanto Mao apoia o crescente avanço dos Guardas Vermelhos, jovens radicalizados que seguem diretamente suas decisões.
1970
- Na virada da década, Mao começa a se afastar de Lin, enquanto o chanceler Zhou Enlai inicia negociações que culminam na visita do então assessor de Segurança Nacional dos EUA, Henry Kissinger, em 1971. Meses depois, o presidente Richard Nixon viaja à China e dá início público à aproximação, que só seria oficializada no final da década.
1977
- Deng é formalmente reabilitado e, em 1978, começa a abertura da economia.
Anos 1980
- Deng consolida seu poder ao longo da década seguinte afastando Hua Guofeng e levando à ascensão de seus apoiadores. Protestos por democracia são reprimidos em 1989 em Pequim, por decisão de Deng, com centenas de mortes de manifestantes, mas também de soldados.
1992
- Deng faz uma turnê histórica pelo sul, reforçando as reformas econômicas, que se aceleram ao longo da década. Jiang Zemin, secretário-geral a partir dos protestos, torna-se o sucessor de Deng, que morre em 1997.
2003
- A transferência de poder para Hu Jintao, no início da década, também é gradual. A China se torna membro da Organização Mundial do Comércio em 2001 e cria oito anos depois um bloco com Brasil, Rússia e Índia, chamado de Brics com o acréscimo da África do Sul.
2013
- Xi Jinping se torna o novo líder no início da década, inaugurando políticas de combate à pobreza e à poluição e ao mesmo tempo lançando programas anticorrupção.
2023
- Passados dez anos, ele é reconduzido aos cargos principais do regime, freando a expectativa de um limite de dois mandados ou uma década para o poder de cada líder.