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China: artistas resgatam memórias com mini-casas antigas – 21/08/2023 – Mundo

Pouco tempo depois da morte do avô de Shen Peng, sua avó visitou o local da casa onde ela e seu marido costumavam morar. O governo havia demolido a residência, no norte da China, quase 15 anos antes, como parte de um projeto de reurbanização. O local ainda não havia sido desenvolvido e ela mal conseguia andar pelo antigo terreno da família devido ao mato alto.

Shen se perguntou: ele poderia ajudá-la a reviver as memórias da avó de outra maneira?

Por mais de seis meses, ele trabalhou em segredo depois de seu trabalho como cabeleireiro presenteou sua avó com uma surpresa: uma réplica artesanal em escala 1:20 de sua antiga casa.

Havia o varal de arame no pátio, com um cobertor azul cortado do tamanho de um selo postal. Havia a bicicleta velha, do lado de fora de um galpão construído com placas de espuma e gesso. Shen até viajou para o local da antiga casa para recriar melhor o fragmento de parede de tijolos que ainda restava.

O projeto o aproximou a uma comunidade pequena, mas em crescimento, de artistas na China que atendem a uma demanda cada vez mais urgente: réplicas em miniatura de casas que foram demolidas, reformadas ou de alguma forma varridas pela modernização da China.

Projetar e colecionar miniaturas tem sido um hobby há muito tempo no Ocidente. No norte da Europa, durante o século XVII, as casas de bonecas eram uma forma de pessoas endinheiradas mostrarem suas propriedades; hoje em dia, os aficionados citam razões que vão desde o escapismo até o design de interiores imaginativo. Mas na China, onde os artistas dizem que a forma é relativamente nova, as miniaturas se tornaram uma maneira de lidar com uma sociedade que mudou em um ritmo vertiginoso.

Nos últimos 40 anos, a China se transformou de um dos países mais pobres do mundo na segunda maior economia. A parcela de residentes urbanos triplicou, e um grande número de chineses viu a infraestrutura presente na infância desaparecer, muitas vezes através de campanhas de reurbanização de Pequim.

“Ninguém realmente gostaria de morar nessas casas novamente. Uma vez que as pessoas se acostumam com coisas boas, elas não conseguem lidar com essas ruins”, disse Shen. “Mas o ritmo de vida agora é muito rápido. Só porque você mora em um arranha-céu não significa que você é feliz”.

As miniaturas “oferecem uma espécie de prazer espiritual quando todas as suas necessidades materiais são satisfeitas”, afirmou Shen.

A arte ainda é relativamente de nicho: nas redes sociais chinesas, os artistas com um grande número de seguidores são apenas cerca de uma dúzia. Mas as postagens dos artistas sobre suas criações podem acumular centenas de milhares de curtidas. Shen tem 400 mil seguidores no Douyin, o TikTok da China.

Suas peças variam de acordo com o orçamento e a geografia. As casas no norte da China costumavam ter apenas um andar, construídas com pedra ou barro, enquanto as do sul eram mais altas e de madeira. Algumas miniaturas recriam apenas a parte externa da casa, com poucos detalhes como uma pequena galinha no quintal. Outras têm interiores intricados, com lâmpadas funcionais e retratos de família nas paredes.

Se os artistas têm sorte, seus clientes fornecem fotografias. Mas muitas vezes eles têm que trabalhar com base em memórias. As câmeras eram um luxo até relativamente pouco tempo.

Esse foi o caso de Shen ao criar a casa de seus avós e depois sua própria casa de infância. Ambas ficavam perto de Baoding, na China, agora uma cidade de 9 milhões de habitantes na província de Hebei. A casa dos avós foi demolida por volta de 2005. O pai de Shen então reconstruiu a casa da família em uma vila nos arredores da cidade, onde Shen agora mora com sua esposa e filho pequeno.

“Quando eu era adolescente, nunca pensei em nostalgia”, disse Shen. “Mas quando você chega a uma certa idade, com gerações acima e abaixo de você e todo tipo de pressão, o passado parece mais precioso.” Shen passou praticamente toda a vida na sua vila, mas sabia que eventualmente precisaria se mudar para uma cidade, para dar melhores oportunidades ao seu filho. “Se não deixarmos um registro, aqueles que nasceram depois dos anos 2000 não terão nenhuma impressão disso”, disse ele.

Shen recusou pedidos de comissão, optando por trabalhar apenas em peças com as quais ele tem uma conexão pessoal. Mas outros transformaram isso em uma carreira em tempo integral.

Li Yizhong, 40 anos, costumava fazer esculturas em grande escala para prédios de escritórios e museus ao redor de Jinan, a capital da província de Shandong, no leste da China. Mas depois que um amigo pediu um modelo em miniatura de sua antiga casa de infância demolida como um favor, Li postou o produto final nas redes sociais e se viu inundado de perguntas. Ele agora tem mais de 1,5 milhão de seguidores no Douyin.

“Isso é mais significativo” do que seu trabalho anterior, disse Li, que trabalha com vários assistentes. “Há mais sentimento, mais calor.”

Cada projeto é um exercício de intimidade e colaboração. No início do processo de cerca de um mês, Li envia ao cliente representações digitais da miniatura. Ao longo do processo, ele confirma detalhes como o padrão de tijolos no pátio e fornece fotos do seu progresso.

Alguns clientes ajustam suas instruções à medida que as memórias desbotadas se tornam mais claras. Li lembra de um deles que passou a maior parte de uma ligação de uma hora chorando enquanto relembrava sua antiga casa. Projetos sem fotos são os mais desafiadores, mas são os clientes mais desesperados para recuperar uma imagem de sua antiga casa.

Os espectadores mais jovens nas redes sociais podem achar confusa a vontade de documentar essas casas antigas. Alguns comentam com incredulidade sobre o quão deterioradas as casas parecem. Até mesmo alguns dos assistentes de Li, muitos dos quais são recém-formados em escolas de arte, disseram ter pouca familiaridade com o campo.

Mas ainda há jovens que experimentaram e anseiam pelo modo de vida mais antigo.

No verão passado, Lu Qinghuan, agora com 21 anos, passou um mês como aprendiz de Li, praticando o ofício e tentando reproduzir a casa da vila de Shandong onde seus avós o criaram.

Lu tinha sentimentos mistos sobre sua própria jornada para longe do campo, primeiro a uma cidade pequena para cursar o ensino médio, depois para a maior cidade costeira de Yantai para ober um diploma em ciência dos materiais. Ele foi desanimado pela competitividade das cidades e sentia falta de seu avô, um professor de escola primária, que lhe havia incutido a importância da educação.

“Hoje, poucos jovens permanecem em suas cidades natais”, disse Lu. Esta é uma progressão natural. Não há como dizer decisivamente se algumas coisas são boas ou ruins.”

Ele resolveu fazer um compromisso: depois de se formar na faculdade, em vez de competir por um emprego de escritório, ele faria miniaturas em tempo integral.

Recentemente, Lu terminou uma para Li Shanshan, uma dona de restaurante em Yantai, que encomendou uma réplica da casa de infância de sua mãe para o aniversário de 70 anos dela. Seu plano original era construir um mostruário para a miniatura de US$ 950, mas depois de revelar a maquete para sua família estendida em uma chamada de vídeo, o grupo explodiu com histórias. Eles debateram que tipo de flores havia ao redor da casa e discutiram se deveriam encomendar adições, como uma figura do avô dela.

Li, 43, está considerando levar a miniatura em uma turnê para mostrar a parentes que moram em outras partes da China. “Não é apenas algo que você olha duas vezes e deixa lá”, disse ela. “Você está brincando? Esta é a minha antiga casa. É só que eu não posso entrar.”

Fonte: Folha de São Paulo

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