Em uma tarde de junho de 2018, um homem chamado Mickey Barreto fez check-in no Hotel New Yorker. Ele foi levado para o quarto 2565, um espaço com cama de casal e uma vista para o centro de Manhattan quase totalmente obscurecida por uma parede externa. Para uma estada de uma noite, pagou US$ 200,57 (R$ 997,82).
Barreto não fez check-out na manhã seguinte —em vez disso, ele transformou o outrora grandioso hotel em sua residência em tempo integral pelos cinco anos seguintes sem nunca pagar um centavo a mais.
Em uma cidade na qual cada centímetro de imóvel é disputado e precificado e onde apartamentos acessíveis estão entre as commodities mais raras, Barreto talvez tenha tido o melhor acordo de moradia na história da cidade de Nova York. Agora, esse acordo pode levá-lo à prisão.
A história de como Barreto, um ex-morador da Califórnia com interesse por teorias conspiratórias e um contato às vezes frágil com a realidade, ganhou e perdeu os direitos sobre o quarto 2565 pode parecer implausível, até porque vinda de um homem que afirma, sem dar provas, ser primo em 11º grau do filho mais velho de Cristóvão Colombo (1451-1506).
Mas foi o que aconteceu. Independentemente de suas crenças mirabolantes, Barreto, agora com 49 anos, estava correto em ao menos uma coisa: a obscura lei de aluguel da cidade de Nova York que lhe proporcionou o sonho de muitos nova-iorquinos.
Naquele dia de verão, quase seis anos atrás, Barreto atravessou a porta giratória do hotel na Oitava Avenida e entrou em um saguão com um lustre no estilo art déco de seis metros —uma homenagem à arquitetura geométrica do hotel.
Quando abriu, em grande estilo, em 1930, o Hotel New Yorker não era apenas o maior da cidade, mas o segundo maior do mundo. Era um luxuoso hotel do futuro com 92 operadores de telefone, uma usina geradora de energia e um rádio com quatro canais em cada quarto.
Hoje, a aura se apagou, embora o prédio ainda atraia turistas pela sua localização central. Menos da metade dos quartos está aberta para hóspedes, e o carpete do corredor está desgastado e alinhado com máquinas de venda de refrigerantes e lanches. A maior parte do prédio é ocupada por seguidores do reverendo Sun Myung Moon, um autoproclamado messias que fundou a Igreja da Unificação e comprou o hotel em 1976, transformando-o na sede de sua organização.
Mesmo para os padrões da cidade de Nova York, o quarto para o qual Barreto foi designado era pequeno, com pouco menos de 19 metros quadrados. As camas ocupavam a maior parte do espaço forrado de carpete bordô e dourado. Um pequeno armário servia para guardar poucas peças de roupa. Havia também uma TV de 42 polegadas com HBO grátis.
Ao longo de várias entrevistas recentes, Barreto descreveu o que aconteceu em seguida —eventos que levaram a um calvário de anos para o hotel.
Conversando, Barreto oscila entre lúcido e instável. Ele disse já ter sofrido ataques de pânico e convulsões, mas insiste que nunca foi diagnosticado com uma doença mental, mesmo quando afirmava ser o chefe de uma tribo indígena que fundou no Brasil.
Muito da história de Barreto é corroborado por anos de registros judiciais, mas um momento crucial vem apenas de seu relato: naquela primeira noite, ele se instalou em seu quarto, no centro de Manhattan, com seu parceiro, Matthew Hannan. Barreto diz que, antes daquela noite, Hannan mencionou, de passagem, um fato peculiar sobre as regras de habitação acessível que se aplicam aos hotéis da cidade de Nova York.
Em frente a seus notebooks, afirma, eles pesquisaram se o Hotel New Yorker estava sujeito a uma seção pouco conhecida de uma lei estadual de habitação, a Lei de Estabilização de Aluguéis.
Aprovada em 1969, a lei criou um sistema de regulação de aluguéis em toda a cidade. Mas também estava sujeita ao texto uma variedade de quartos de hotel, especificamente aqueles construídos antes da promulgação da lei, cujas dependências poderiam ser alugadas por menos de US$ 88 por semana em maio de 1968.
De acordo com a legislação, um hóspede poderia se tornar um residente permanente solicitando um contrato de locação com desconto. Qualquer hóspede transformado em residente também teria que ter acesso aos mesmos serviços de um hóspede comum, incluindo serviço de quarto, limpeza e uso de instalações, como a academia.
Assim, o quarto se torna, essencialmente, um apartamento locado por aluguel dentro de um hotel.
Apesar da suposição razoável de que o que estavam empreendendo havia sido orquestrado desde o início, Barreto afirmou que a ideia só tomou forma quando a pesquisa dele e de Hannan caiu na 27ª linha de uma planilha de 295 páginas intitulada “Lista de Edifícios de Manhattan Contendo Unidades Estabilizadas”.
De acordo com documentos judiciais, Barreto deixou seu quarto na manhã seguinte, pegou o elevador até o saguão e cumprimentou um funcionário do hotel na recepção. Ele entregou uma carta endereçada ao gerente —ele queria um contrato de locação de seis meses.
O funcionário ligou para o gerente e, após uma breve conversa, Barreto foi informado de que não havia como fazer um contrato de locação no hotel e que, sem reservar outra noite, teria que desocupar o quarto até o meio-dia. O casal, porém, não removeu seus pertences, e funcionários o fizeram. Barreto, então, foi para o Tribunal de Habitação da Cidade de Nova York, no sul de Manhattan, e processou o hotel.
Em um depoimento de três páginas, escrito à mão e datado de 22 de junho de 2018, Barreto citou leis estaduais, códigos locais e um caso judicial anterior para argumentar que seu pedido de locação o tornava um “residente permanente do hotel”. A remoção de seus pertences equivalia a um despejo ilegal, disse ele.
Em uma audiência em 10 de julho, na ausência de representantes do hotel para se opor ao processo, o juiz Jack Stoller decidiu a favor de Barreto. O magistrado não apenas concordou com seus argumentos, mas também citou o mesmo precedente jurídico mencionado por Barreto e ordenou que o hotel “restaurasse o requerente à posse do imóvel imediatamente, fornecendo-lhe uma chave”.
Barreto retornou ao quarto 2565 em questão de dias, agora como residente do hotel —e em breve, como seu novo proprietário.
Dias após a decisão e de volta ao quarto, o casal leu repetidamente a sentença de Stoller. Nela, não havia ordem para o hotel fornecer um contrato de locação, nenhum limite de estada, nenhuma sugestão de que o aluguel era devido. Mas uma palavra foi mencionada repetidamente: posse. Barreto recebeu “sentença final de posse”.
Ele disse que ligou para o tribunal para pedir a alguém que explicasse o que exatamente isso significava. “Você tem posse”, disseram a Barreto, segundo afirmou ele mesmo, enfatizando cada sílaba da palavra final. “Você não é um locatário. Você tem posse de um prédio.”
E como a posse de imóveis é registrada? Em Nova York, é no Departamento de Finanças.
Com a ordem do juiz em mãos, o casal foi a repartições em Lower Manhattan. Barreto disse que perguntou a um funcionário sobre colocar o quarto em seu nome, como um novo proprietário faria, mas foi informado de que seria impossível: o hotel, ao contrário de apartamentos, não era dividido nos registros da cidade por quartos.
A propriedade tinha uma entidade arquivada —o próprio hotel, identificado nos registros da cidade como bloco 758, lote 37. Então, citando a ordem do juiz, Barreto preencheu os documentos declarando sua propriedade daquilo.
“Se tenho o direito de registrá-lo inteiro”, lembra ele de ter pensado, “então vou registrar.”
Em Nova York, uma mudança de propriedade é registrada no extenso Sistema de Informações do Registro Automatizado da Cidade (Acris, na sigla em inglês), que mantém os registros imobiliários de cada propriedade. Milhares de documentos como escrituras e hipotecas são recebidos diariamente —uma quantidade muito grande para a equipe do Departamento de Finanças da cidade examinar antes de publicar.
Barreto tentou repetidamente registrar uma escritura, mas foi rejeitado por várias questões técnicas. Após sua sexta tentativa, um funcionário disse que ele precisava entrar em contato com o escritório de um delegado. Ao ser contatado, o vice-delegado perguntou o porquê de tantas tentativas de registro. Barreto então respondeu que havia recebido a posse da propriedade, mas estava tendo dificuldades técnicas.
Enquanto isso, os proprietários do hotel entravam com sua própria ação para despejar Barreto, alegando que o hotel estava isento da disposição da lei de habitação para hotéis. No final, os advogados não conseguiram apresentar uma documentação de maio de 1968 para provar que a taxa semanal do hotel na época era superior a US$ 88. O juiz rejeitou o processo.
Barreto, então, solicitou uma escritura pela sétima vez. Ela foi aceita.
Na tarde de 17 de maio de 2019, quase um ano depois de Barreto reservar sua estada de uma noite, ele foi identificado no Acris como proprietário do New Yorker Hotel, um prédio de mais de 111 mil metros quadrados.
O quarto 2565 fica perto do final de um corredor estreito e longo que ziguezagueia a partir dos elevadores. Perto dali está o quarto 2549, onde Muhammad Ali passou a noite em 1971 depois de perder a chamada Luta do Século para Joe Frazier, no Madison Square Garden.
Sem emprego, Barreto disse que passava horas em seu quarto todos os dias, pesquisando a história de sua família no Brasil. Ele nasceu e foi criado em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. Barreto tem um rosto angular e jovial, um corte de cabelo militar e mexe nas roupas enquanto fala.
Um parente diz que ele se destacou na escola no Brasil, nunca se meteu em confusão e se mudou para os Estados Unidos na década de 1990. Na adolescência, era considerado particularmente talentoso, o filho mais inteligente da família.
Nos últimos anos, ele desenvolveu uma obsessão por sua genealogia, alegando ter descoberto uma conexão direta com Colombo. No Tribunal Civil, ele começou a invocar o nome do explorador.
Barreto também mergulhou nas origens da Igreja da Unificação na Península Coreana, seus interesses econômicos em expansão em outros continentes e suas conexões comerciais com a Coreia do Norte. Ele começou a acreditar que os líderes da igreja estavam enviando suas rendas, incluindo a do hotel, para a Coreia do Norte, em uma violação das sanções impostas pelos EUA.
Em uma entrevista, Barreto disse que suas preocupações com as finanças da organização religiosa se tornaram o principal motivo para permanecer no hotel. Ele chamou isso de seu dever patriótico como cidadão americano, comparando seus esforços a alguém que teria sido capaz de impedir o 11 de Setembro.
“Sinto muito por ter interrompido sua tentativa de financiar armas de destruição em massa”, disse. “É Mickey Barreto contra a Coreia do Norte.”
Embora Moon, que morreu em 2012, tenha nascido no que hoje é a Coreia do Norte, os laços atuais de sua igreja com esse país são incertos —ela já operou fábricas e um hotel lá. A igreja sofreu intensas investigações no Japão em 2022, após o assassinato de Shinzo Abe, que foi premiê de 2012 a 2020. O suposto assassino acreditava que Abe tivesse laços com a igreja, que há muito tempo é acusada de explorar pessoas vulneráveis para doações, no Japão e em outros lugares.
Barreto expressou reivindicações semelhantes a parentes, deixando-os confusos. “Era algo difícil de acreditar”, disse um dos familiares, que pediu para permanecer em anonimato devido à sensibilidade do tema dentro da família. “Eu estava pensando que talvez fosse verdade, não sei. Com o Mickey, é difícil dizer.”
Um porta-voz da Igreja da Unificação se recusou a comentar as acusações de Barreto, sua residência ou os processos judiciais.
No ano passado, o proprietário do hotel obteve sucesso no tribunal contra Barreto. Um juiz decidiu a favor da empresa, citando a recusa de Barreto em pagar ou assinar um contrato de locação. Ele foi despejado em julho.
Mesmo enquanto esse segundo caso de despejo estava em andamento no Tribunal de Habitação, porém, Barreto não parou de se identificar como proprietário do imóvel. Em setembro, ele apresentou outra escritura mostrando que o hotel havia sido transferido novamente para seu nome, e a cidade a aceitou.
A transferência fez o hotel perder uma isenção de imposto sobre a propriedade, resultando em um aumento de US$ 2,9 milhões (R$ 14,5 milhões) em suas taxas.
De volta ao tribunal, os advogados do hotel pediram a um juiz para condenar Barreto por desacato, e um juiz sinalizou em 7 de fevereiro que haveria outra audiência no caso. Uma semana depois, policiais apareceram antes do amanhecer em um apartamento no Upper West Side onde o casal estava morando.
Barreto foi preso e, no final daquela manhã, processado em um tribunal de Manhattan por 24 acusações —incluindo 14 por fraude— em um esquema criminoso para reivindicar a propriedade do hotel. Hannan, que Barreto disse não estar envolvido, não foi acusado de nenhum crime.
Barreto agora aguarda julgamento na Suprema Corte Estadual em Manhattan e pode ficar preso por vários anos se condenado. Na prisão, antes de ser libertado sob fiança, disse que usou sua única ligação telefônica para chamar a Casa Branca, deixando uma mensagem sobre sua localização.
Não havia motivo para acreditar que a Casa Branca teria interesse no caso ou qualquer ideia de quem ele era. Mas nunca se pode ter certeza com Mickey —ele já acertou uma vez.