Na reprimenda mais dura até aqui, o Brasil afirmou que o Equador cruzou uma linha vermelha ao invadir a embaixada do México em Quito na última semana para deter o ex-vice-presidente Jorge Glas.
“Nem nos priores e nos mais sombrios tempos das ditaduras militares em nosso continente o direito à inviolabilidade dos locais de missão diplomática foi violado”, disse a diplomacia brasileira em um debate nesta terça-feira (6) na OEA (Organização dos Estados Americanos).
Os países-membros da organização negociam uma resolução simbólica que condene a ação do governo do presidente Daniel Noboa contra o serviço diplomático mexicano, um movimento que surpreendeu a toda a vizinhança e despertou uma onda de condenações.
O discurso da posição brasileira, lido pelo embaixador Benoni Belli em Washington, diz que “a medida levada a cabo pelo governo equatoriano constitui grave precedente, atinge em cheio um princípio fundamental das relações internacionais, e merece enérgico repúdio pelos efeitos nocivos que tende a gerar”.
Também há ampla defesa do direito ao asilo político, que o México concedeu a Glas pouco antes de o ex vice equatoriano ser retirado da embaixada em Quito por policiais fortemente armados que o carregaram pelas mãos e pelos pés sob amplo protesto de diplomatas mexicanos.
Vice do ex-presidente de esquerda Rafael Correa, condenado por corrupção e hoje morando na Bélgica, Glas estava desde dezembro passado abrigado na embaixada mexicana. Naquele mês, pediu asilo político alegando ser perseguido pela Justiça equatoriana.
Ele já havia sido condenado a oito anos de prisão em 2017, época em que era vice do sucessor de Correa, Lenin Moreno, por corrupção após receber subornos da construtora Odebrecht, no mais envolvida em diversos escândalos em países da América Latina e da Ásia. Em novembro de 2022, conseguiu liberdade condicional e deixou a prisão.
Mas no final de 2023, pouco antes de se refugiar na embaixada do México, Glas virou novamente alvo da Justiça ao ser investigado em outro caso de corrupção, dessa vez envolvendo a utilização de dinheiro público para mitigar os efeitos de um grave em 2016.
A diplomacia brasileira já havia condenado as ações do Equador, mas em manifestação de menor escala. Horas após a invasão da embaixada em Quito, o Itamaraty disse em nota que as ação “constitui grave precedente”. No X, o presidente Lula (PT) prestou solidariedade a seu homólogo mexicano, Andrés Manoel Lopez Obrador.
AMLO, acrônimo pelo qual o mexicano é conhecido, rompeu as relações diplomáticas com o Equador após a ação, também uma medida muito pouco comum nas relações internacionais. Em breve, o mexicano deixa o cargo: o México vai às urnas em 2 de junho nas maiores eleições de sua história, com mais de 20 mil cargos em jogo.
Diversas autoridades mexicanas condenaram a invasão de sua embaixada. Um dos principais nomes do debate político local, no entanto, também criticou a ação de conceder asilo a Glas.
Principal nome opositor e candidata de uma importante coalizão, a senadora Xóchitl Gálvez disse nesta terça-feira que em um possível governo seu “as embaixadas não serão antros de delinquentes”.
A inviolabilidade das embaixadas mencionada por Brasil e muitos outros países em meio a esse debate está fundamentada na chamada Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, uma das pedras fundamentais da diplomacia.
Seu artigo 22 diz que locais de uma missão diplomática são invioláveis, podendo ser acessados por agentes do Estado onde se encontram somente com o consentimento do chefe dessa missão. Foi o contrário do que ocorreu em Quito.
Na ocasião da invasão do espaço, o chefe da missão e segundo na hierarquia, o diplomata Roberto Canseco, tentou impedir os policiais, que o ignoraram e chegaram a apontar armas para ele, como mostra um vídeo divulgado por AMLO nesta terça em sua “mañanera”, espécie de conferência de imprensa qual faz todos os dias pela manhã.
Jorge Glas chegou a ser levado ao hospital após fazer greve de fome na prisão de segurança máxima em Guayaquil —a sua cidade natal—, mas já retornou à penitenciária. Ele havia consumido antidepressivos e sedativos em excesso e foi encontrado inconsciente pelos agentes carcerários, segundo um relatório policial.
Nesta segunda (8), ao falar sobre o assunto, o equatoriano Daniel Noboa disse que era sua obrigação cumprir “as decisões da Justiça”. “Não podíamos permitir que ali se asilassem delinquentes condenados e envolvidos em crimes muito graves”, afirmou em comunicado.