Uma polêmica envolvendo uma bolsa de luxo dada à primeira-dama da Coreia do Sul causou uma ruptura na cúpula do governista Partido do Poder Popular (PPP) nesta semana, gerando acusações de abuso de poder a menos de três meses das eleições parlamentares.
O escândalo remonta a dezembro do ano passado, quando um canal no YouTube revelou que Kim Keon-hee, esposa do presidente conservador sul-coreano Yoon Suk-yeol, havia recebido uma bolsa Christian Dior no valor de cerca de 3 milhões de wons (cerca de R$ 11 mil) de um pastor coreano-americano, Choi Jae-young.
“Por que você continua me trazendo essas coisas?”, pergunta Kim a Choi no vídeo, que o pastor filmou usando a função de câmera em seu relógio de pulso em 2022 (a gravação está disponível no canal Voice of Seoul, em coreano, sem tradução).
As imagens provocaram pedidos de desculpas e investigação de suspeitas de violação das leis anticorrupção por parte do casal presidencial, vindos de todo o espectro político.
“O presidente não está apenas falhando em se comunicar com o público, mas também está envolvido ativamente em ocultar suspeitas em torno da primeira-dama, interferência flagrante em assuntos partidários e intromissão nas eleições”, disse Lee Jae-myung, líder do Partido Democrata, a maior sigla da oposição, em uma reunião do partido na sexta-feira.
Yoon e Kim se recusaram a abordar publicamente as alegações de irregularidades. Seus aliados políticos acusaram o canal do YouTube de armadilha e truques sujos.
O escritório presidencial disse à mídia local que Kim aceitou o presente e que este está “sendo gerenciado e armazenado como propriedade do governo”. O escritório não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.
Mas, na semana passada, o líder do partido de Yoon, o ex-ministro da Justiça Han Dong-hoon, reconheceu que o presente poderia “ser uma questão de interesse público”.
De acordo com relatos da mídia local, Yoon também ficou indignado com os comentários feitos na semana passada pelo legislador do PPP e aliado de Han, Kim Kyung-yul, comparando a primeira-dama a Maria Antonieta.
Isso levou a uma visita do chefe de gabinete de Yoon e a um pedido para que Han renunciasse ao cargo de líder do partido pouco mais de um mês após assumir o posto. Assim como o presidente, Han é um ex-procurador e era amplamente visto como confidente e pupilo do mandatário sul-coreano.
Han, contudo, se recusou, lançando a sigla em uma crise quando tornou o pedido público nesta semana. Analistas disseram que a crescente controvérsia estava começando a ameaçar as chances dos conservadores nas próximas eleições parlamentares.
O Partido Democrata atualmente tem maioria na Assembleia Nacional do país, mas pesquisas sugerem uma disputa acirrada: no mês passado, 29% dos eleitores expressaram preferência pelo PPP, 25% pelo Democrata, e 35% estavam indecisos, de acordo com a Hankook Research.
A taxa de desaprovação de Yoon subiu cinco pontos percentuais em relação à semana anterior, atingindo seu nível mais alto em nove meses, de acordo com uma pesquisa da Gallup Korea divulgada na sexta-feira.
A imagem controversa da primeira-dama tem consistentemente prejudicado o presidente Yoon. Neste mês, ele vetou um projeto de lei da oposição para abrir uma investigação especial sobre o suposto envolvimento de sua esposa em manipulação de ações.
Ela também pediu desculpas publicamente por alegações de plágio em seu doutorado e uma série de falsas informações em seu currículo, enquanto a sogra do presidente, de 76 anos, foi recentemente condenada a um ano de prisão por fraude.
“As questões em torno da conduta de Kim consistentemente minaram a imagem de Yoon como um combatente da corrupção“, disse Jeongmin Kim, diretora editorial do serviço de informações Korea Pro.
Kim afirmou que a pressão do gabinete de Yoon para que Han renunciasse, um movimento amplamente visto como excedendo a autoridade do presidente, cristalizou preocupações —inclusive entre alguns congressistas do PPP— sobre as “tendências autoritárias” do governo.
“Durante o período autoritário da Coreia do Sul, todo o poder político estava concentrado na presidência”, disse ela. “Então, para um presidente ser visto interferindo tão descaradamente na política parlamentar —e em uma questão envolvendo sua própria família—, é uma imagem realmente ruim”.
Os apoiadores veem em Yoon um combatente independente contra a corrupção, disposto a enfrentar desvios em ambos os lados da divisão política acirrada da Coreia do Sul. Como procurador linha-dura, ele supervisionou a condenação da ex-presidente conservadora Park Geun-hye e do herdeiro da Samsung, Lee Jae-yong, por acusações de suborno e corrupção —Lee foi liberado condicionalmente e posteriormente perdoado por Yoon em 2022, uma medida que permitiu que voltasse a comandar a empresa.
Os oponentes de Yoon o acusam de usar a Presidência —e anteriormente seu cargo de procurador— para proteger aliados e buscar vinganças políticas.
No ano passado, Lee Jae-myung, líder do Partido Democrata que perdeu para Yoon por uma margem de menos de um ponto percentual nas eleições presidenciais de 2022, entrou em greve de fome em protesto contra as políticas do governo de Yoon. Lee, que também está enfrentando acusações por pedir a um fabricante de roupas íntimas que transferisse US$ 8 milhões para a Coreia do Norte em um esforço ilegal para promover laços econômicos, foi esfaqueado no pescoço neste mês por um agressor que queria “impedir que ele se tornasse presidente”, de acordo com a polícia.
O líder da oposição voltou à política, mas agora enfrenta uma queixa criminal de grupos de médicos que argumentam que sua condição não justificava que ele fosse transportado de helicóptero da cidade do sul de Busan para um hospital em Seul.
“[Lee] poderia ter sido tratado no Hospital Nacional da Universidade de Pusan se estivesse em uma situação de vida ou morte”, disse Lim Hyun-taek, presidente da Associação Pediátrica Coreana, após registrar a queixa junto aos promotores. “Mobilizar legisladores para solicitar uma transferência [de helicóptero] para Seul… é um abuso de poder e uma demanda por tratamento especial.”