O presidente da Bolívia, Luis Arce, insinuou, em uma mensagem televisionada nesta quarta-feira (30), que decretaria um estado de exceção caso os apoiadores de Evo Morales não liberassem os pontos de bloqueio em estradas que já duram mais de duas semanas.
“Exigimos o levantamento imediato de todos os pontos de bloqueio para o restabelecimento da normalidade em nosso país. Se não ouvirem este clamoroso pedido do povo boliviano, nosso governo eleito democraticamente, com mais de 55% dos votos, exercerá suas faculdades constitucionais para proteger o interesse do povo boliviano”, afirmou.
As faculdades constitucionais que Arce mencionou são uma referência indireta a um estado de exceção, que pode ser decretado pelo presidente em “caso de perigo para a segurança do Estado, ameaça externa, comoção interna ou desastre natural”, de acordo com a constituição da Bolívia.
Nos últimos dias, organizações sociais e autoridades pediram que o político lance mão do instrumento. Caso opte por esse caminho, ele precisaria contar com a aprovação da medida na Assembleia Legislativa nas 72 horas seguintes ao decreto.
Segundo o presidente, 17 dias de bloqueio já custaram à Bolívia US$ 1,7 bilhão (R$ 9,8 bilhões) —os protestos, iniciados após Evo desobedecer uma intimação do Ministério Público para depor, interromperam o fornecimento de alimentos e combustível em diversas partes do país.
O temor dos manifestantes é que o antigo sindicalista, que governou de 2006 a 2019, seja alvo de um pedido de prisão. Evo é acusado de ter estuprado e engravidado uma adolescente em 2015, quando era presidente —um caso arquivado em 2020 e ressuscitado recentemente para impedi-lo de se candidatar, segundo sua defesa.
O pano de fundo da instabilidade na Bolívia é a disputa entre Evo e Arce, antigos aliados e correligionários, pela indicação presidencial do MAS (Movimento ao Socialismo) para as eleições do ano que vem. O desentendimento entre os dois causou um racha na sigla que se arrasta desde o ano passado.
“A verdade é que, por trás dos bloqueios antidemocráticos e criminosos, as verdadeiras motivações foram expressas pelos próprios porta-vozes do movimento: a imposição de uma candidatura inconstitucional”, afirmou Arce nesta quarta.
Evo está impedido de se candidatar desde dezembro do ano passado, quando o Tribunal Constitucional reverteu um entendimento anterior que liberava reeleições indefinidas no país —decisão que havia permitido ao ex-presidente vencer quatro eleições seguidas.
“Dobraram a aposta com os bloqueios com o objetivo de chantagear toda a Bolívia”, afirmou Arce. “Num ato de hipocrisia sem precedentes, levantam bandeiras do direito à manifestação enquanto atentam contra a vida de policiais, trabalhadores da imprensa e pessoal de saúde, apedrejam ônibus com passageiros em seu interior, impedem o livre trânsito de milhares de pessoas.”
De acordo com o presidente, 70 pessoas ficaram feridas desde o início dos protestos —nove civis e 61 policiais.
Nas redes sociais, Evo criticou Arce após seu pronunciamento. “Em vez de apelar ao diálogo para resolver o conflito iniciado muito antes da Marcha para Salvar a Bolívia, Arce lança ameaças contra o povo mobilizado. Qualquer ato de violência será de sua exclusiva responsabilidade. Só o diálogo sincero resolverá os graves problemas que o país enfrenta atualmente”, afirmou.
O ex-presidente ainda criticou o presidente por não mencionar o incidente do último domingo (27). Naquele dia, Evo disse ter sido alvo de uma emboscada. Segundo o ex-presidente, o plano foi orquestrado pelo ministro de Governo, Eduardo del Castillo, e o objetivo era matá-lo —com a anuência de Arce, afirmou o líder à Folha.
O governo da Bolívia nega as acusações e diz que Evo forjou um atentado após seu comboio atirar contra policiais na tentativa de fugir de uma patrulha antidrogas.