Comecemos por aqui: um segundo mandato de Donald Trump é um cenário desastroso.
E se, em 2024, Joe Biden for a única coisa capaz de impedir Trump de chegar à Casa Branca, então o sucesso do democrata pode muito bem ser a última esperança para o país como o conhecemos. Nesse caso –o mais provável neste momento– os Estados Unidos precisa que Biden seja bem-sucedido. É por isso que é tão angustiante que ele não consiga conquistar os eleitores de que precisa para exercer um segundo mandato.
Esta semana, Biden fez um discurso na Igreja Episcopal Metodista Africana Emanuel, em Charleston, na Carolina do Sul. A igreja negra, histórica, foi palco de um massacre realizado por um supremacista branco em 2015.
Foi uma das tentativas do democrata de se aproximar do eleitorado negro, um segmento de cujo apoio ele precisa desesperadamente, mas que está se afastando dele e, pior, pode estar inclusive se aproximando de Trump, segundo algumas pesquisas.
O discurso representava uma oportunidade de Biden apresentar suas perspectivas para um segundo mandato. Mas quase não havia perspectivas ali. Ele se concentrou no que sua administração fez e não no que fará. Parecia alguém que veio cobrar pelos serviços prestados em vez de celebrar vitórias com um parceiro antes de traçar planos futuros com ele.
É um contraste em relação a Trump, que oferece aos EUA uma perspectiva de futuro, ainda que ela seja a mais sombria e desoladora imaginável. Parte desse contraste pode derivar da natureza da relação entre aqueles que estão fora do poder e, portanto, o desafiam, e os que estão no poder e, nesse sentido, defendem sua permanência nele.
De todo modo, Biden precisa encontrar um equilíbrio.
Em um discurso duas semanas após sua posse, ele disse: “A igualdade racial não será apenas uma questão para uma das pastas de nossa administração. Será de todo o governo, em todas as nossas políticas e instituições federais”.
A Casa Branca tem sido rápida, com razão, em destacar as medidas que promoveu em diversas áreas para tornar a sociedade americana mais igualitária. E não há nada de errado em Biden observar, como fez na Igreja Episcopal Metodista Africana Emanuel, que durante seu mandato, a oferta de empregos aumentou e a inflação diminuiu.
Mas a preocupação de muitos eleitores, negros em especial, no que se refere a Biden gira em torno de algumas questões-chave: dificuldades econômicas, independentemente do que os indicadores econômicos apontam; um punhado de promessas fundamentais, como incrementar as proteções ao direito ao voto, que os republicanos impediram que Biden cumprisse; e, para os eleitores negros mais jovens, a forma como ele vem lidando com a guerra entre Israel e o Hamas.
O discurso na Igreja Episcopal Metodista Africana Emanuel poderia e deveria ter delineado o que Biden planeja fazer quanto a essas questões em um segundo mandato; como ele planeja fazer avançar iniciativas já bem-sucedidas ou criar novas; e como as preocupações específicas dos eleitores negros se encaixam nesses planos.
Mas essa oportunidade foi perdida, substituída por um discurso padrão de um candidato num púlpito. Foi seguro, convencional e pouco inspirador. Por vezes, ele pareceu estar preso em uma era passada, na qual igrejas eram a principal forma de se obter influência política e espalhar mensagens entre a comunidade negra.
Essa era está chegando ao fim. Um relatório do Pew Research Center de 2021 constatou que quase metade dos negros millennials ou da geração Z raramente ou nunca vão à igreja, e aqueles que o fazem têm menos probabilidade de frequentar locais de culto com público predominantemente negro em relação aos seus colegas mais velhos.
Os eleitores negros jovens estão chegando à idade adulta em um período em que o ativismo foi enraizado não na religião, mas na ideia de interseccionalidade, segundo o qual uma pessoa é definida por diversos fatores sociais que se sobrepõem uns aos outros; na ascensão das identidades individuais; e na sensação de que eles foram abandonados por gerações anteriores. Eles estão se sentindo empoderados e expressando isso em uma ampla gama de temas.
Quando manifestantes exigindo um cessar-fogo na Faixa de Gaza interromperam o discurso de Biden na terça-feira, ele respondeu dizendo: “Entendo o envolvimento deles e tenho trabalhado em silêncio ao lado do governo israelense para fazê-los desescalar as tensões e sair de Gaza”. Mas “trabalhar silenciosamente” não é uma resposta satisfatória para os eleitores jovens, convencidos de que estão testemunhando um genocídio apoiado por um presidente americano.
Durante seu discurso, Biden condenou a supremacia branca como um “veneno” que tem “assombrado esta nação por tempo demais”.
Bree Newsome Bass, que retirou uma bandeira confederada no Capitólio Estadual da Carolina do Sul poucos dias depois do massacre na Igreja Episcopal Metodista Africana Emanuel, fez uma das críticas mais contundentes ao discurso de Biden. A postura do presidente em relação à guerra em Gaza, disse ela, indica que “ele está patrocinando um genocídio, e o genocídio é a forma mais extrema de violência racial que existe”.
Este é o dilema de Biden ao apelar para os eleitores negros jovens: fazê-los comparar ele e seu histórico em relação à alternativa política e ver que a eleição deste ano será entre um candidato que pode decepcionar e outro que pretende destruir.
O time de Biden parece entender que tem um desafio quando se trata do eleitorado negro e está tentando enfrentá-lo. Mas uma lista burocrática de iniciativas e um vínculo construído sobre o trauma da opressão negra ressoam menos nesta eleição e com esse candidato.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.