Nunca um presidente americano fez tantos avanços na área ambiental quanto Joe Biden, e nunca os Estados Unidos produziram tanto petróleo quanto nos últimos anos.
A contradição ilustra a estratégia do democrata para reestruturar a matriz energética que alimenta a maior economia do mundo. Em vez de punir poluidores, o presidente priorizou oferecer incentivos bilionários à transição verde. Com isso, fomentou uma coalizão de apoio que, se não convencida da crise climática na base da ciência, foi agora na base do dinheiro.
Por essa razão, mesmo que Biden perca a eleição para Donald Trump neste ano, ambientalistas e economistas concordam que será muito difícil para o republicano reverter o cerne das políticas do democrata: a Lei para Redução da Inflação, conhecida como IRA na sigla em inglês.
O pacote, aprovado pelo Congresso em agosto de 2022, disponibilizou quase US$ 400 bilhões em subsídios, boa parte deles na forma de créditos tributários, voltados principalmente para energia eólica, solar, baterias e veículos elétricos, hidrogênio verde e captura de carbono.
A maioria dos projetos e dos aportes foram feitos em distritos republicanos: 177 e US$ 105 bilhões, respectivamente, segundo a consultoria E2. Os números são muito maiores do que os em território democrata (98 e US$ 15 bilhões).
O objetivo dessas transformações é cumprir a meta de atingir a neutralidade de emissões de gases do efeito estufa até 2050. Até agora, o maior impacto foi observado no setor de baterias, no qual os investimentos praticamente triplicaram após o IRA.
“É tudo sobre incentivos, e nada de punições. Isso foi fundamental para o IRA ser aprovado pelo Congresso. E, nesses incentivos, há um claro sinal ao mercado de que os EUA estão reformando sua política industrial”, diz à Frances Colón, diretora-sênior de política climática internacional do Center for American Progress, organização fundada por John Podesta, atual enviado especial para o clima da Casa Branca.
A vitória apertada de Biden no Congresso –o IRA passou por 1 voto no Senado e 7 na Câmara– foi possível graças ao cenário global turbulento pós-Covid e da retomada das políticas industriais por diversos países, avalia Debbie Weyl, diretora-adjunta do World Resources Institute nos EUA.
“O governo Biden foi capaz de construir essa coalizão no Congresso porque, naquele momento, a produção doméstica precisava de um impulso e havia a preocupação com as rupturas das cadeias produtivas pelo mundo. Biden fez isso de um modo inteligente, considerando o impacto climático”, afirma Weyl.
Além do IRA, outra ação destacada pelas especialistas foi o retorno ao Acordo de Paris, que havia sido abandonado por Trump, com uma meta mais ambiciosa de redução de 50% a 52% das emissões de gases do efeito estufa até 2030.
Completam o rol de medidas de maior impacto regulações federais, sobretudo a taxação de metano, mais nocivo ao ambiente do que carbono, as regras para a indústria automotiva reduzirem a produção de carros a gasolina até 2032 —embora ele tenha feito concessões às montadoras—, e a priorização de comunidades vulneráveis, seja porque sua economia depende de combustíveis fósseis, seja pelo impacto decorrente da crise climática.
Praticamente todas essas medidas ficam ameaçadas caso Biden perca a eleição. Na campanha, Trump já atacou diversas vezes o incentivo a carros elétricos, afirmando que a política beneficia sobretudo a China, e, durante sua presidência, já havia revertido uma regulação do metano implementada por Barack Obama.
Apesar dos avanços, o histórico de Biden no clima também deve ficar marcado por ter coincidido com o período de maior produção de petróleo na história dos EUA. No ano passado, foram produzidos em média 12,9 milhões de barris por dia, recorde global, segundo a Administração de Informações de Energia. O país é o maior produtor global da commodity desde 2018, quando ultrapassou Arábia Saudita e Rússia.
Os recordes alcançados durante o governo democrata são, em grande parte, fruto de licenças para exploração concedidas em governos anteriores, relembram analistas. No entanto, o presidente não cumpriu a promessa feita em campanha de que não concederia mais autorizações em terras federais.
Biden chegou a impor uma moratória, mas foi obrigado a recuar pela Justiça. Após a derrota, no entanto, o governo acelerou o ritmo de licenças —nos três primeiros anos, houve um aumento de 50% em comparação com período semelhante no governo Trump, segundo estatísticas oficiais.
A autorização mais polêmica foi dada ao Willow, um projeto de exploração da ConocoPhillips na reserva nacional de petróleo, no Alasca, cuja produção é estimada em 600 milhões de barris.
A frustração é visível tanto em Colón quanto em Weyl quando perguntadas sobre o tema.
“O principal culpado é o lobby da indústria petroleira, que se recusa a aceitar que a transição energética está acontecendo, e continua a defender o uso de combustíveis fósseis no futuro”, afirma a primeira. “É realmente muito desafiador para os EUA serem uma liderança em clima enquanto têm um impacto tão massivo através da produção e exportação de combustíveis fósseis”, completa a segunda.
Em resposta às críticas, o governo adotou algumas regras, como a elevação do valor de royalties e garantias para exploração, e uma pausa na concessão de novas autorizações para exportação de gás natural liquefeito (GNL) —medida questionada na Justiça por diversos estados produtores.
Na tentativa de explorar os choques de Biden com a indústria petroleira, Trump se reuniu em abril em seu resort em Mar-a-Lago, na Flórida, com executivos do setor. Segundo a imprensa americana, o republicano prometeu reverter uma série de regulações ambientais de Biden e impedir a entrada em vigor de outras previstas, pedindo em troca a doação de US$ 1 bilhão para sua campanha.