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Barcelona eliminará apartamentos turísticos em 2028 – 07/07/2024 – Normalitas

Chega o verão na costa mediterrânea e é sempre a mesma história.

Além das andorinhas, aterrissam em Barcelona os turistas. Muchos, demasiados, saindo pelos bueiros junto cos ratinhos veraniegos do Raval.

Sedenta por diversão e selfies com praia, bãos drink e uma pitada de Gaudí, essa gentedetodooplaneta baixa na ciudad condal, uma das mecas do turismo mundial, e da noite pro dia muda a toada barcelonesa de Animadinha e Cultural pra À Beira de Um Ataque de Nervios (R) (((em referência a mim e uns tantos quilos de moradores que eu conheço))).

Depois do hiato da pandemia, movidas talvez por uma vontade de superar a mágoa do confinamento forçado, as multidões se multiplicaram, com o perdão do multitarismo. O que antes era ‘poxa, tá meio chato isso’ virou, entre muitos de nós, moradores, puro desespero, com preços exorbitantes no mercado e no aluguel, filas intermináveis e superlotação no transporte público.

Pois esse cenário, tão comum quanto previsível nos meses de férias e, na real, o ano inteiro, em breve pode mudar — pelo menos um pouquinho.

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No final de junho, o prefeito de Barcelona, Jaume Collboni, anunciou medidas drásticas para conter uma das consequências mais graves da exploração turística desenfreada: a falta de moradia e os preços exorbitantes de aluguel e compra de imóveis.

Na prática, até 2028 serão extintos todos os apartamentos de aluguel de curta temporada da cidade.

As 10 mil licenças oficiais atualmente em vigor não serão renovadas, e nenhuma nova será cedida.

“Esses 10 mil imóveis serão utilizados por residentes da cidade ou serão postos à venda ou para aluguel”, afirmou Collboni.

ALUGUEL: AUMENTO DE 70% EM DEZ ANOS

Medidas drásticas, mas necessárias. Segundo dados da própria prefeitura, o preço dos aluguéis subiu quase 70% na última década, e o de compra disparou quase 38%.

A época do verão leva esse encarecimento ao paroxismo. Não só por causa dos turistas, mas também por conta da invasão de estudantes, que chegam na cidade pra aproveitar as férias antes de começar o ano letivo em setembro.

Toda essa gente, claro, tem que dormir em algum lugar. Tcharaaam! Entram em cena os apartamentos de temporada — e saem os moradores, acabrunhados com a alta de preços, o vai e vem de vizinhos desconhecidos e a sinfonia de festinhas + o barulho de TRA TRA TRA de maletas com rodinhas nas calçadas às 3 da manhã.

Eu vivi essa exata situação em diferentes bairros de Barcelona.

No último apartamento onde morei, em uma zona residencial afastada do centro, plaquinhas de empresas de aluguel turístico davam um ar de hotel ao lobby do andar do edifício antigo. Coladas à minha parede, eu escutava diariamente todas as línguas: gritaria de famílias italianas, soirées de adolescentes francesas, brisa cannabística e bachata nas alturas de jogadores de hóquei americanos etc etc. Histórias verídicas, todas.

Depois de reclamar em vão para a empresa de aluguel turístico umas tantas vezes, comecei a surtar por conta própria e enfiar papeizinhos multilíngues pelo batente de portas pedindo, com uma mistura psicótica de educação, fúria e desamparo, que, sim, aproveitem essa cidade linda, blablá, bienvenido/ bienvenue/welcome, mas PELAMORDEDEOS me deixem dormir, seus DESGRACIADOS, que EU NÃO TÔ DE FÉRIAS e acordo às seis SIX SEI SEIS DA MANHÃ. Grata thanks taquepariu.

TURISTAS, GO HOME

As medidas anunciadas pela prefeitura de Barcelona tiveram grande repercussão, mas muitos ainda as consideram insuficientes para frear as consequências da crescente invasão turística.

Neste sábado (6), uma manifestação com cerca de 3 mil moradores percorreu o bairro da Barceloneta e outras zonas turísticas da cidade para protestar contra a massificação turística.

Com cartazes como “vizinhos em perigo de extinção”, “tourists, go home” e “os ônibus para o bairro, não para o seu safári”, associações de vizinhos, ecologistas, movimentos civis e sindicatos chamaram a atenção para um dos problemas mais dramáticos da cidade nos últimos anos: o brutal encarecimento do custo de vida.

Em seu manifesto, os organizadores propõem um “plano de ‘decrescimento’ turístico”, e alertam que o problema vai além da moradia.

Segundo eles, o modelo monoeconômico baseado no turismo massivo “gera dependência de uma indústria altamente volátil”.

Durante a pandemia, quando a cidade ficou fechada pro turismo, houve um princípio de debate da questão. A capivara foi puxada pela então prefeita Ada Colau, ela mesma uma ativista de movimentos civis associados à defesa da moradia democrática.

“Nem mesmo a regulamentação contundente do aluguel de temporada, nem a extinção do aluguel turístico poderiam, por si sós, mudar essa dinâmica [do turismo massivo]”, alertaram os manifestantes. “É preciso parar e reverter o processo de turistização”, focando na “diversificação da economia”.

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PELA CULATRA

Além de insuficiente, a extinção dos apartamentos turísticos em Barcelona, se não for acompanhada de outras estratégias, pode também sair pela culatra.

Menos apartamentos turísticos não necessariamente se traduzirá em menos turistas.

Na mesma semana em que anunciou as novas medidas, por exemplo, o prefeito sinalizou que poderá flexibilizar a construção de hotéis no centro — algo limitado por gestões anteriores, exatamente para conter a massificação da zona.

Por outro lado, o Airbnb não se manifestou ainda, mas a APARTUR (Associação de apartamentos turísticos de Barcelona) já expressou em comunicado que a eliminação dos apartamentos de temporada é “um erro que conduzirá a um aumento de pobreza e desemprego” e à disseminação de apartamentos turísticos ilegais.

O governo espanhol, que esta semana também anunciou medidas para conter a crise imobiliária no país, manifestou todo seu apoio a Collboni.

“Se trata de realizar todos os esforços necessários para garantir o acesso a uma moradia acessível”, disse a ministra espanhola de Habitação, Isabel Rodríguez, em suas redes sociais.

Entre as propostas do Ministério, instituições privadas de ensino poderão ser obrigadas a oferecer alojamentos para estudantes.

Além disso, comunidades de vizinhos terão poder de veto na hora de permitir ou não atividades econômicas no condomínio.

A Espanha é o terceiro maior destino turístico do mundo e o primeiro país escolhido por estudantes de intercâmbio financiados pelo programa Erasmus da União Europeia.

“Quando existe um choque tão grande entre um direito e uma atividade econômica, é preciso priorizar um direito social como o acesso à moradia, porque desse direito dependem muitos outros, como a saúde, a educação, formar uma família, o desempenho profissional”, disse Rodríguez ao La Vanguardia. “O passo dado pelo prefeito de Barcelona demonstra valentia, ele mirou adiante”.

Fonte: Folha de São Paulo

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