Conforme aumentam as tensões geopolíticas entre Estados Unidos e China, é cada vez maior a pressão de ambos os lados para que seus parceiros se posicionem e eventualmente escolham lados.
A diplomacia brasileira vem até aqui trabalhando de forma exímia para preservar laços com ambos os lados e manter os interesses do país, mas os ruídos acerca da possível participação chinesa na estrutura acionária da Avibras podem ser o mais claro indicativo de como isso se tornará difícil.
A Avibras é um braço fundamental para a indústria de defesa do Brasil. Fabrica foguetes, mísseis, sistemas de lançamento, blindados e equipamentos de telecomunicações. A despeito da importância, porém, passa há anos por uma crise severa, com dívidas na casa dos R$ 600 milhões, centenas de funcionários demitidos, greves e projetos de pesquisa cruciais paralisados por falta de verba.
O Ministério da Defesa e o BNDES tentam solucionar o problema buscando um parceiro internacional. Recebeu propostas dos Emirados Árabes, quase concluiu um acordo com a australiana Defendtex (que desistiu do negócio) e agora, para o desconforto americano, tem tratativas avançadas com o Grupo das Indústrias do Norte da China (ou Norinco, na sigla em inglês).
A Norinco não é qualquer empresa. Trata-se de um dos maiores negócios da China na área de defesa, com forte presença, por exemplo, no continente africano —onde tem escritórios na África do Sul, Angola, Nigéria e em vias de estabelecer operações no Mali, Senegal e Costa do Marfim. Também tem um histórico bastante controverso que inclui vendas de mísseis ao Irã e, mais recentemente, de rifles à Rússia.
O desconforto americano com a empresa é muito anterior às rusgas diplomáticas recentes com a China e, embora tenha tido participação volumosa em contratos de defesa nos EUA, a Norinco integra a lista de sanções desde 2003. Diante das tratativas com o governo brasileiro, que recebeu representantes dos chineses no BNDES em abril e esta semana despachou Tomás Paiva para Pequim, Washington mandou recado: pretende impor sanções se o acordo for concretizado.
Contornar o desconforto não é tarefa simples. A Avibras não pode seguir abandonada, e a indústria de defesa é vista como prioridade por Lula 3 para gerar empregos e impulsionar pesquisas. Mas os EUA também são importantes para vários dos equipamentos produzidos pela companhia, a começar pelo GPS integrado em sistemas de lançamentos de foguetes, por exemplo (para quem não sabe, o GPS é uma tecnologia americana).
Seguir com o negócio e vender 49% da Avibras para os chineses significa também assumir o risco de ter de substituir aos poucos a participação americana na cadeia produtiva militar, blindando-se de potenciais sanções que poderiam atrasar o avanço da área como um todo. Significa também que, no futuro próximo, será cada vez mais difícil para o Brasil se equilibrar na corda bamba de duas potências em conflito e tirar vantagens dos dois lados.
Cartas à mesa, avizinha-se o momento de Lula e seus comandados fazerem a próxima jogada. Washington e Pequim aguardam.
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