Ainda há poucas informações sobre o atentado contra o ex-presidente Donald Trump na Pensilvânia. Tudo indica, no entanto, que o episódio pode ter o mesmo efeito político que a facada levada por Jair Bolsonaro na campanha presidencial de 2018 —tornando ainda menores as chances de os democratas vencerem a eleição, com ou sem Joe Biden como seu candidato.
No Brasil, em 2018, a tentativa de assassinato de Bolsonaro em 6 de setembro, no meio da campanha eleitoral, gerou horas de cobertura na mídia, dominou as redes sociais e ensejou comoção nacional.
Durante um tempo, também blindou o então candidato de críticas mais duras que vinha sofrendo e reduziu as pressões para que participasse de mais debates.
Um evento do tipo no mês anterior à facada tinha sido desastroso, com Bolsonaro batendo boca com Marina Silva. Após o incidente em Juiz de Fora, no entanto, o candidato ficou em licença médica. Depois do primeiro turno, mesmo liberado para compromissos, não foi a nenhum debate com o então candidato do PT, Fernando Haddad.
Nos Estados Unidos, o atentado contra Trump priva os democratas de uma de suas principais armas – demonizar um candidato que tem muitos pontos fracos e cujo principal problema, para os eleitores independentes que são tão cruciais para esta eleição, era sua imagem como uma pessoa “desagradável”, com quem se é difícil simpatizar.
Um repórter do New York Times que estava no comicio de Trump relatou ter ouvido de um apoiador do ex-presidente, logo após os tiros: “Gente, o Trump está eleito. Ele é um mártir”.
A principal —e uma das únicas— plataformas de campanha dos democratas é salvar a democracia dos EUA ao impedir que Trump volte ao poder. Diante de um candidato fraco como Biden, só o medo de um novo mandato de Trump seria o ponto de mobilização de eleitores.
Mas como ressaltar os defeitos do candidato neste momento de fragilidade? Como atacar “um mártir”, como disse um de seus apoiadores?
Trump se transforma em uma vítima e há muito pouco espaço para políticos democratas criticarem o republicano neste momento. Seriam vistos como insensíveis e cruéis. As declarações uníssonas dos democratas em solidariedade ao republicano mostram o minúsculo espaço de manobra.
Biden fez uma declaração na noite de sábado, pregando a união do país e condenando a violência contra Trump. Disse também que tentou ligar para “Donald”.
Os aliados de Trump não perderem tempo e começaram a culpar a “retórica agressiva”dos democratas pelo atentado. Um dos cotados para a vaga de vice na chapa de Trump, o senador J. D. Vance, afirmou que a retórica da campanha de Biden “levou diretamente à tentativa de assassinato do Presidente Trump”.
Aliados e apoiadores de Trump rapidamente passaram a compartilhar a foto em que Trump, com a lateral da cabeça ensanguentada e a bandeira dos Estados unidos tremulando no fundo, aparece amparado pelos agentes do serviço secreto. Lembra o quadro “A liberdade guiando o povo”, do pintor francês Delacroix – exatamente o tipo de imagem que uma campanha quer passar.
No vídeo do atentado, aliás, vê-se que Trump preserva seu instinto de fazer marketing mesmo nos momentos mais difíceis. Após ser atingido e se abaixar, ele levanta, pede para pegar seus sapatos e diz aos agentes do serviço secreto: “Esperem, esperem, esperem”. Aí ele olha para frente, para as câmeras, com o punho em riste.
Os democratas já tinham um problema gigantesco nas mãos. Doadores estão suspendendo as contribuições para a campanha para pressionar Biden a desistir, diante do desempenho pífio no debate de junho. Sua entrevista ao jornalista George Stephanopoulos e a participação na coletiva após reunião da OTAN não aplacaram aqueles que apontam o suposto declínio cognitivo do presidente americano.
Biden, no entanto, não parece disposto a desistir, apesar do número crescente de legisladores democratas pedindo sua saída. A repercussão e investigação dos tiros no comício de Trump podem estancar, no curto prazo, os chamados para Biden abrir caminho para outro candidato. Mas deixam ainda mais clara a necessidade de os democratas mudarem de rumo
Com o atentado contra Trump, os democratas, que já estavam com um candidato enfraquecido, perdem sua principal plataforma de campanha.