O audacioso ataque do grupo terrorista palestino Hamas contra Israel no sábado (7) evidenciou não só falhas claras de inteligência por parte do Estado judeu, mas também o desafio imposto quando forças bem treinadas executam uma ação coordenada e assimétrica contra um adversário mais poderoso.
Agora, enfrenta uma campanha de “extensos ataques”, segundo as IDF (sigla inglesa para Forças de Defesa de Israel) anunciaram nesta terça (10), que deve anteceder uma controversa ação terrestre.
A fama das IDF vem do histórico de vitórias sobre os vizinhos árabes nas três principais guerras que definiram as áreas comandadas hoje por Tel Aviv, em 1948, 1967 e 1973.
O país virou potência com 169,5 mil militares ativos, e é o oitavo que mais investe no setor em termos proporcionais, 4,3% do seu Produto Interno Bruto em 2022 segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. Além dos US$ 19,4 bilhões de seu orçamento de defesa nominal, recebeu US$ 3,3 bilhões dos Estados Unidos, na soma pouco mais do que o Brasil despendeu.
A derrota da invasão Líbano em 1982 e o empate com o Hizbullah em 2006, também no vizinho ao norte, sempre foram vistos como contos caucionários, particularmente o segundo conflito. Mas o que ocorreu no sábado passado é algo novo.
O Hamas tem estimados 20 mil soldados, embora sua operação seja tão obscura quanto o governo totalitário que impões desde que expulsou os rivais do Fatah da região em 2007, um ano após as ganhar eleições legislativas palestinas.
O caminho político deu lugar a uma crescente militarização, com o protagonismo deu braço bélico, as brigadas Al-Qassam. O grupo aprendeu com o Hizbullah, que com sua chuva de mísseis em 2006 obrigou Israel a criar um sistema próprio de defesa no qual a camada mais crítica é a de baixa altitude, o chamado Domo de Ferro.
Ele se mostra bastante eficaz, com relatos iniciais de 90% de sucesso na atual ofensiva. Mas aí o Hamas foi para a saturação: só no primeiro dia, disse ter lançado 5.000 mísseis e foguetes, a maioria modelos de diversos calibre da família Qassam. Em todo o mês e meio de conflito entre o grupo e Israel em 2014, foram 4.000 projéteis.
O Qassam é um foguete caseiro não diferente, na teoria, do busca-pé de festa junina —e tão simples de ser disparado. Tem ao menos quatro modelos conhecidos. Israel diz que até aqui na realidade foram 3.500 os lançamentos, o que já é um número grande, mas não discerniu modelos. Analistas dizem que o Hamas também tem alguns mísseis de curto alcance iranianos Fajr-5.
Seja como for, a barragem permitiu dar cobertura à audaciosa e brutal infiltração de mais de mil homens do Hamas, que partiram para as cenas de terrorismo explícito, estilo Estado Islâmico, devidamente espalhadas pelas redes sociais. O impacto psicológico, por óbvio insondável agora de forma objetiva, promete ser duradouro.
Essas ações foram acompanhadas de alguns feitos militares. Ao menos seis poderosos tanques Merkava Mk4 israelenses foram desabilitados, além de diversos blindados, a julgar por vídeos disponíveis e georreferenciados. O sucesso contra uma das armas-símbolo do rival veio da Guerra da Ucrânia: o emprego de quadricópteros minúsculos carregando munição antitanque, guiados até em cima do alvo.
Aqui, talvez a soberba israelense tenha falado alto, já que muitos blindados estavam posicionados lado a lado, desprotegidos, ao ar livre. Em breve poderão ser vistas as famosas telas e gaiolas antidrones introduzidas pelos russos na guerra, que viraram artigo de série de seus blindados.
Todo o efeito, contudo, depende da surpresa. Ela se foi, e agora a mão pesada se insinua com um bombardeio pesadíssimo de Gaza, que segundo as IDF já empregou até esta segunda (9) cinco vezes mais mísseis e obuses do que em toda a guerra de 2006 no Líbano.
Tal supressão tem um preço político potencial: a mudança da balança do lado do agredido para o do agressor de forma desproporcional, com impacto nos apoios a Israel. Resta saber se o cerco montado recorrerá à inédita invasão por terra do faixa, que tem 2,3 milhões de pessoas uma área pouco maior do que Guarulhos (SP), boa parte na labiríntica cidade de Gaza.
Tudo indica que sim, e aí o peso dos 400 Merkava que Israel registrava ativos em 2022 se faz presente. Mas boa parte do serviço terá de ser feito a pé, com proteção de alguns dos mais de mil blindados de transporte de pessoal a serviço de Tel Aviv, num território próprio a emboscadas.
Isso leva a crer que o cálculo do grupo terrorista seja o de, estando com mais de cem reféns israelenses e ainda ativo dentro do vizinho, tentar forçar uma negociação contando com alguma moderação de Tel Aviv. Ou se trata de otimismo do Hamas ou simplesmente de suicídio, esperando incendiar a região toda.
Já a mobilização de 300 mil dos 450 mil reservistas de Israel, algo inédito, sugere que a ação pode se expandir. Observadores falam em eventuais ações contra o Hizbullah na região das fazendas libanesas de Shebaa, ocupadas por Israel em 1967, mas isso é incerto. Até aqui, ambos os lados trocaram fogo pontual para marcar posição.
Até ações contra posições de grupos extremistas abrigados na Cisjordânia, cujo território é governado pelos rivais do Hamas da Autoridade Nacional Palestina e tem um acordo de paz frágil com Israel, é ventilada. Foi assim que alguns políticos israelenses leram a promessa do premiê Binyamin Netanyahu de redesenhar o Oriente Médio nessa guerra.
O temor de uma escalada real, com o envolvimento do Irã, grande apoiador do Hamas, Hizbullah, Jihad Islâmica e outros, está presente, apesar de politicamente parecer algo improvável. Aí a especulação volta ao nível das guerras com simetria entre Estados.
Israel tem forças mais modernas e é um país mais militarizado (1.720 militares por 100 mil habitantes, ante 701 por 100 mil dos iranianos), mas Teerã comanda mais homens (610 mil, mais 350 mil reservistas), tem uma formidável força de mísseis balísticos e o sexto maior orçamento de defesa nominal do mundo.
Sua Aeronáutica, por outro lado, é obsoleta, em especial quando colocada ao lado da frota americana de Tel Aviv, pontificada pelos caças F-16, F-15 e F-35, o modelo de quinta geração do qual encomendou 75 unidades e recebeu 36 até o ano passado.
Outro país que não reconhece Israel e apoia os grupos irregulares em Gaza, Cisjordânia e Líbano, a Síria, já foi uma temida adversária —mas hoje, às voltas com uma guerra civil há 12 anos, vê aviões israelenses atacarem impunemente alvos em seu território. A ditadura de Bashar al-Assad comanda 169 mil homens.
Por fim, há o fato de que Israel é uma potência nuclear, algo que mal disfarça apesar de não admitir. São estimadas 90 ogivas, a serem lançadas por caças F-15I e F-16I, 24 mísseis Jericó-2 e talvez modelos de cruzeiro disparados de submarinos. O Irã, apesar de visto com um país a um passo da bomba, não teria apetite teórico para um confronto direto.