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As regras da guerra: 3º capítulo aborda proporcionalidade – 21/11/2023 – Mundo

A “proporcionalidade” ou a “desproporcionalidade” das ações militares de Israel é um dos argumentos mais usados nesta guerra e um dos mais mal compreendidos também. Há uma distância enorme entre o que muitas pessoas leigas entendem por “proporcionalidade” e o que o direito determina a esse respeito.

Do lado israelense, muitos acreditam que a resposta aos ataques do Hamas deve ser proporcional no que diz respeito a reproduzir para o lado palestino todo o terror que os civis israelenses sentiram em 7 de outubro. De acordo com esse entendimento, não haveria problema em fazer com que civis palestinos fossem massacrados pelas forças israelenses, porque, antes disso, o Hamas massacrou civis em Israel. Para os que argumentam dessa forma, a proporcionalidade seria um “olho por olho e dente por dente”.

Algo semelhante –e igualmente errôneo– também aparece do lado contrário. Para muitos críticos de Israel, as ações do Hamas, incluindo os ataques e sequestros de civis, seriam uma ação proporcional ao mal que Israel causa aos palestinos da Faixa de Gaza desde 1948 ou 1967, dependendo do recorte histórico que se queira fazer.

Nenhuma das duas visões faz sentido do ponto de vista do direito da guerra. A palavra “proporcionalidade” aparece num documento de 1977 chamado Protocolo Adicional 1 às Convenções de Genebra de 1949. De maneira simples, a proporcionalidade é medida na comparação entre uma vantagem tática ou estratégica concreta obtida numa determinada operação militar versus os danos colaterais causados aos civis nessa mesma operação.

Literalmente, ataques desproporcionais seriam aqueles “dos quais se possa esperar que causem perdas acidentais de vidas civis, ferimentos a civis, danos a bens civis, ou uma combinação destes, o que seria excessivo em relação à vantagem militar concreta e direta prevista”, nos termos do Protocolo.

Para entender esse conceito, é preciso aceitar antes algumas informações: essas normas não dizem respeito à moralidade da guerra. Elas simplesmente tratam de determinar os limites legais das ações militares, uma vez que o conflito já está se desenrolando.

Portanto, não importa se o conflito é justo ou injusto, nem quem é o culpado. Todos os envolvidos devem respeitar essas normas, sejam eles atores estatais, como Israel, ou grupos armados organizados, como o Hamas. Por fim, o fato de um dos lados desrespeitar as normas não desobriga o outro lado.

Outro elemento fundamental para entender o conceito de proporcionalidade é o fato de que esse ramo do direito considera que os combatentes de ambos os lados são alvos legítimos —exceção feita apenas aos combatentes que estejam feridos, enfermos, náufragos, rendidos ou capturados. Ao mesmo tempo, os civis não podem em hipótese alguma serem tratados como alvos.

A proporcionalidade entre uma vantagem militar concreta e os danos colaterais causados aos civis nessa mesma ação só pode ser entendida a partir dessa premissa, de que os civis não são alvos e devem ser poupados dos efeitos das hostilidades a todo custo, embora haja margem para o chamado dano colateral.

O grande debate reside, é claro, no que pode ou não ser considerado um dano colateral justificável. Obviamente, a força que ataca tratará sempre de ampliar sua margem de danos colaterais, enquanto a parte atacada tratará de descrever toda perda civil como resultado de uma ação desproporcional do lado contrário. Juízos definitivos sobre o tema poderão vir, um dia, de algum tribunal internacional. Até lá, o que todos temos são percepções.

Um dos problemas dessa lei é que ela não especifica de maneira clara qual a medida exata das perdas civis toleráveis para uma determinada vantagem militar obtida. É impossível fazer comparações entre coisas que têm valores tão diferentes e tão dificilmente mensuráveis. Afinal, quantas crianças mortas num hospital de Gaza justificariam a destruição de um túnel do Hamas?

Essa questão, que já é intrincada por natureza, tornou-se ainda mais complexa à medida que os conflitos migraram para áreas urbanas densamente povoadas. Nesses contextos, corre-se o risco de exacerbar o conceito de “dano colateral” para um pernicioso “alvo colateral” –a expressão, inexistente no direito, realça o absurdo de andar justificando toda e qualquer morte de civis como um efeito inevitável das ações militares. Não são inevitáveis. Pelo contrário, podem constituir crimes de guerra.

O direito aplicável a essas situações é macabro porque está obrigado a ser realista e a admitir que as operações militares estão em andamento de ambos os lados e que as mortes de civis são uma realidade. Mas é preciso saber qual a linha tênue que separa a boa-fé do simples cinismo, quando se trata de justificar a morte de mulheres e crianças.

Essas leis não são um exercício frívolo de possibilidades teóricas. Elas são o único fio que mantém o mínimo de humanidade na guerra e, se respeitado, esse ramo do direito tende a facilitar os processos políticos subsequentes, que podem um dia levar a um acordo de paz.

Fonte: Folha de São Paulo

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