Perto do final da campanha presidencial de 2016, o mundo tomou conhecimento da fita do programa de TV Access Hollywood na qual Donald Trump se gabava de tocar mulheres de forma inapropriada.
Dias depois, ele pediu desculpas por esses comentários, mas os minimizou como “conversa de vestiário”.
Hoje não: em vez de minimizar defensivamente sua vulgaridade, ele a abraçou. Em vez de se preocupar que seu comportamento grosseiro poderia afastar as mulheres, ele está se aproveitando disso.
Ele não está tentando diminuir a diferença de gênero entre os eleitores, especialmente os mais jovens; ele quer explorá-la. A “política do vestiário” é a base de seu argumento final.
Por meses, Trump tem se envolvido em um ataque vulgar contra a vice-presidente Kamala Harris, repostando comentários obscenos sobre ela nas redes sociais, supostamente referindo-se a ela com um palavrão em conversas privadas e desmerecendo-a como estúpida.
Em um recente comício, ele disse: “Nós não te suportamos; você é uma vice-presidente de merda”, logo depois de compartilhar uma anedota sobre o tamanho do pênis do falecido golfista Arnold Palmer.
Já ouvimos esse tipo de fala de Trump antes. Em 2016, respondendo a uma provocação de Marco Rubio [senador], ele disse: “Ele se referiu às minhas mãos: ‘Se elas são pequenas, algo mais deve ser pequeno.’ Eu garanto que não há problema.”
Tudo isso remete a uma masculinidade tóxica na qual a definição do que significa ser homem é reduzida ao tamanho de um órgão sexual. Há uma qualidade quase neandertal nisso, um chamado ao que Trump parece perceber como a natureza básica dos homens.
Todos os fios de sua mensagem evocam esse sentimento —desde suas previsões apocalípticas sobre o futuro dos EUA até sua acusação de que “a agenda de Kamala é eles/elas, não você” e sua linguagem cada vez mais cáustica contra imigrantes, focando vítimas femininas brancas de perpetradores masculinos não brancos.
Em 2015, quando Trump disse: “Quando o México manda seu povo, não estão mandando os melhores. Eles não estão mandando você”, e terminou com: “Eles são estupradores”, foi um trecho de um longo discurso. Agora? Esse tema é central em sua proposta política.
A linguagem que ele usa com crescente frequência é destinada a acionar o impulso de defesa nos homens. É o filme “O Nascimento de uma Nação”, mas em vez de homens negros nativos sendo o outro assustador, são homens do Caribe, México e América Central e do Sul. É uma forma de valorizar o instinto de punir imigrantes, seja através de um veto de viagem para muçulmanos, separações familiares ou possivelmente reunir milhões de pessoas para deportação.
Para mim, Trump está dizendo aos homens que votar nele é a única maneira de validar sua masculinidade. Seus apelos para defender mulheres, crianças não nascidas e atletas cisgêneros são sua forma de recrutar homens para suas legiões.
Esses apelos parecem estar conectados com os homens que sentem que seu domínio social está escapando. As mulheres agora superaram os homens em nível educacional; quase dois terços dos americanos dizem que relacionamentos do mesmo sexo são “moralmente aceitáveis”; e entre os americanos mais jovens, menos mulheres do que homens dizem que querem se tornar pais. Caminhos de carreira que antes estavam praticamente fechados para mulheres e pessoas de cor agora exigem que homens brancos concorram com todos os outros.
A teoria da grande substituição —a ideia de que elites sombrias estão orquestrando uma mudança demográfica nos EUA que destrona homens brancos, cristãos e heterossexuais— ganhou força.
Trump não está transmitindo sua mensagem em termos tão explícitos. E embora esteja bastante claro que ele está jogando com as ansiedades dos homens brancos, existem ansiedades universais masculinas sobre segurança econômica e deslocamento com as quais até homens de minorias se conectaram, apesar das nuances raciais de Trump. (E sim, algumas mulheres respondem ao apelo de Trump; em uma entrevista recente, uma mulher negra que apoia Trump disse à MSNBC que deseja um “presidente másculo”.)
Eu vejo tudo isso como a teoria da substituição de John Wayne: a convulsão cultural em nossa sociedade sobre o gradual destronamento do individualista heterossexual, geralmente branco e não reconstruído, e a construção de uma visão mais pluralista do país, inclusiva de uma multiplicidade de gêneros, raças e identidades sexuais.
Por muito tempo, o ethos de John Wayne prevaleceu. Ele era um ícone cowboy e um republicano firme. Era visto como o epítome do homem americano, suas crenças racistas à parte. Considere o que Wayne disse em uma entrevista à Playboy em 1971:
“Com muitos negros, há bastante ressentimento junto com seu dissenso, e possivelmente com razão. Mas não podemos de repente nos ajoelhar e entregar tudo à liderança dos negros. Eu acredito na supremacia branca até que os negros sejam educados a um ponto de responsabilidade. Não acredito em dar autoridade e posições de liderança e julgamento a pessoas irresponsáveis.”
Mas a supremacia branca era à época tão americana quanto o beisebol, e essa declaração era consistente com a imagem de Wayne e sua proeminência.
Embora ele não expresse abertamente esse tipo de sentimento, eu o ouço na propaganda de Trump. É o “fazer a América grande de novo” que o entrega.
Trump, a todas as aparências, não é apenas um homem tóxico entre homens tóxicos. Ele quer ser visto assim —sua versão de um Vladimir Putin sem camisa. Ele aposta que seu caminho de volta à Casa Branca passa por uma névoa de testosterona. Ele está convocando isso com uma linguagem que raramente é dada voz na companhia das mulheres que ele jura amar, mas que constantemente menospreza.
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