O presidente argentino, Javier Milei, tem criticado a medida que levou à suspensão da rede social X no Brasil.
Nesta semana que passou, em evento em Buenos Aires, disse que a rede social é a arena pública “onde os brasileiros podem levantar a voz e expressar suas diferenças”, e que “apenas um tirano, que está errado em tudo, pode aprovar semelhante ato de opressão”.
O surpreendente, porém, é que na Argentina o mandatário ultraliberal adota uma posição cada vez mais autoritária no que diz respeito à liberdade de expressão.
Milei acaba de emitir um decreto por meio do qual proíbe o acesso a informações sobre o Estado e os seus funcionários. A medida afeta uma legislação usada não apenas por jornalistas, mas por qualquer cidadão que queira acompanhar aspectos da gestão ou dados sobre o patrimônio de funcionários de alto escalão.
Vista como inconstitucional pela oposição, a determinação deve ser levada à Justiça, mas é mais um sinal da pressão que Milei tem exercido sobre os meios de comunicação.
Ao longo da semana, em uma entrevista a um dos três únicos jornalistas que, abertamente favoráveis à gestão Milei, o presidente fala periodicamente, ele afirmou que “a liberdade de expressão só sobrevive hoje nas redes sociais” e que estas acabaram com o “monopólio do microfone” e com o sistema dos “envelopes” —método usado principalmente pelo ex-presidente Carlos Menem (1989-1999) para dar a certos jornalistas dinheiro irregular do Estado de modo que mantivessem uma posição favorável ao governo.
Milei também propôs que os jornalistas passem a figurar como “pessoas politicamente expostas”, ou seja, que também devem ter as informações sobre seu patrimônio abertas à consulta pública, “para que possam ser submetidas ao escárnio público”.
As declarações representam graves constrangimentos à atuação dos meios de comunicação. Segundo a Fopea (Fórum de Jornalismo Argentino, em português), hoje mais de 40% dos ataques à liberdade de expressão são cometidos pelo poder Executivo.
A Presidência limitou o espaço das coletivas de imprensa diárias que dava por meio de seu porta-voz, Manuel Adorni, na Casa Rosada, a jornalistas que passam por um crivo ideológico. “Queremos aqui apenas aqueles profissionais que sintam orgulho em estar na casa de governo”, disse Adorni.
Milei vinha se irritando com o uso do mecanismo da lei de informação pública por jornalistas que questionavam quem entrava e saía da residência de Olivos, de onde o presidente governa, pois praticamente não frequenta a Casa Rosada.
Ficou enfurecido, por exemplo, com as reiteradas consultas sobre o custo que a construção de um enorme canil para seus cães teve sobre os cofres públicos, e com o dinheiro gasto em suas viagens internacionais —a maioria delas repletas de agendas particulares do líder, como encontros com políticos e empresários alinhados a eles.
Entre as consultas que irritaram o governo, ainda estiveram a que revelou que o Banco Central estaria enviando ao exterior lingotes de ouro das reservas sem revelar o destino e a que questionou um aumento de US$ 100 milhões ao orçamento do serviço de inteligência (Side) num cenário em que toda a administração pública vem passando por ajustes e demissões.
Os gestos, que dificultam o trabalho da imprensa, são autoritários para um governo que se apresenta como liberal.
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