Os argentinos até agora rejeitaram uma “polarização à brasileira”. Deram mais votos ao candidato e economista-mor de um governo fracassado. Além dos finalistas Sergio Massa e Javier Milei, os demais candidatos tiveram um terço dos votos.
Pelas pesquisas da semana passada, Milei venceria Massa no segundo turno; na urna, o anarcodireitista teve menos voto agora do que nas primárias, em 14 de agosto.
Superinflação, pobreza, desesperança e pânicos à parte, 36% dos argentinos votaram no candidato do governo, do peronismo kirchnerista, ainda que o “mais liberal” deles, Sergio Massa. Resta saber se o medo de um governo do autodenominado anarcocapitalista e queridinho da extrema direita Javier Milei é maior do que o receio de continuísmo, mesmo que mitigado, com Massa.
Se o programa de Milei é um mergulho no escuro com uma camisa de força, o continuísmo é uma clara caminhada para o abismo. A administração do medo, das “expectativas”, deve ter peso decisivo no segundo turno.
Com ou sem dolarização, o aspecto mais midiático do problema econômico, a Argentina não sairá do buraco sem virar do avesso instituições e métodos de política macroeconômica. Será doloroso, implicará a princípio mais desvalorização, um pico de inflação, recessão e cortes duros de gastos. A dúvida é saber quem vai pagar mais dessa conta.
Massa é presidente de fato da Argentina desde abril, quando Alberto Fernández desistiu da reeleição. Assumiu o ministério da Economia em agosto do ano passado. Desde então, a inflação passou de 83% para 138,3% ao ano. O dólar paralelo passou de 291 pesos para algo perto de 1.000.
Patricia Bullrich, centro-direita, discursou na noite de domingo dizendo que não cumprimentaria o responsável pelo pior governo da Argentina. Bullrich, do grupo do ex-presidente Mauricio Macri, Juan Schiaretti, governador de Córdoba, “peronista de centro”, e Myriam Bregman, de esquerda socialista, tiveram juntos 33,4% dos votos.
O medo pode ser um definidor desses votos para o segundo turno, em 19 de outubro. Os argentinos têm feito o possível para se livrar de seus pesos, talvez incentivados ainda mais pela conversa de dolarização.
Neste final de semana, a ansiedade à beira do pânico era evidente nas filas de supermercados, postos de combustível, lojas de eletrodomésticos etc. Quem não conseguira comprar dólares, comprava qualquer coisa que pudesse manter o valor do dinheiro ou seus “ativos reais”.
Por experiência, intuição ou informação econômica básica, os argentinos sabem que qualquer conserto econômico dependerá de uma grande desvalorização do peso. A 350 por dólar, na cotação oficial, está sobrevalorizado. Onde está, não pode ficar, qualquer o programa econômico que venha a vencer a eleição ou que acabe sendo implementado, se tiver algum fundamento no bom senso.
Seja qual for o plano, a Argentina precisa também ter reservas em moeda dita forte, o dólar, basicamente. É preciso ter reservas para pagar ou administrar a dívida pública, na maior parte externa. Para que o Banco Central tenha capacidade de apagar incêndios, como exageros na taxa de câmbio. Até para honrar compromissos tão comezinhos como o pagamento de importações essenciais. As reservas do Banco Central estão no vermelho —há mais passivos do que haveres. Como é possível juntar reservas?
Tomando emprestado. Mas quem vai emprestar o bastante ao governo da Argentina? Muito difícil imaginar que, sem um bom programa econômico, já em implementação rápida, apareça dinheiro bastante. Depois da eleição de Macri, durante 2016 e 2017, houve um surto de esperança em um programa “ortodoxo”. A dívida externa deu um salto, não houve ajuste, o país quebrou.
Poderia ser que os argentinos com dinheiro no exterior trouxessem parte do seus estimados US$ 250 bilhões. O problema é o mesmo da primeira alternativa. Dinheiro do FMI, se vier mais, seria pouco.
O que resta? Ter sobra, superávit, nas contas externas, basicamente exportando mais do que importando. Para tanto, é necessária uma grande desvalorização do peso (que baratearia os produtos argentinos).
A fim de evitar então uma inflação fora de controle (e, de resto, uma nova valorização real da taxa de câmbio), é preciso elevar taxa de juros, conter gastos do governo e proibir de vez que o BCRA financie o Tesouro do governo, de modo direto (via “impressão de dinheiro”) ou indireto. Todos os caminhos exigem o corte do déficit e o fim de mutretas com a dívida pública e manipulações de preços, do câmbio inclusive.
Milei diz que vai fazer tudo isso na marra, “na motosserra”; Massa, gradualmente. Quem vai meter mais medo nos argentinos?