A decisão do presidente argentino, Javier Milei, de retirar seus negociadores da COP29, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática em curso em Baku (Azerbaijão), rompe com linha da política exterior para os desafios do clima adotada por seus antecessores na Casa Rosada. Também atiça os temor de saída da Argentina do Acordo de Paris, de 2015, segundo analistas.
“Se o governo Milei decide deixar o Acordo de Paris, estaremos frente a importantes implicações legais e constitucionais”, afirmou o deputado Maximiliano Ferraro, da oposicionista Coalizão Cívica. “Além disso, entraremos em um caminho opaco de isolamento que pode nos levar a um lugar do mapa geopolítico onde estão apenas o Irã, a Líbia e o Iêmen”, completou.
Por meio de comunicado, divulgado nesta sexta-feira (15), a Coalizão Cívica repudiou a decisão do governo Milei de retirar seus negociadores da COP29 na quarta-feira (13). “Em Baku, estão em discussão temas essenciais para a transição energética global e para a economia verde, que representam oportunidades de investimento que a Argentina não pode dar-se o luxo de ignorar”, diz o texto.
O deputado Ferraro suspeita que a iniciativa de Milei seja uma tentativa de confraternizar-se com Trump, eleito para um segundo mandato nos EUA. Na quinta-feira (14), Milei participou de um encontro da Cpac, organização política de extrema direita, em Mar-a-Lago, na Flórida, onde encontrou-se com Trump e o bilionário Elon Musk.
“Eu me pergunto se não foi mais um espetáculo montado pelo presidente Milei para oferecê-lo, da maneira de um sacrifício ritual, em reunião com o presidente eleito dos EUA, Donald Trump“, disse. “Trata-se de uma decisão irresponsável, preocupante e fortemente rechaçável”, acrescentou.
Regressão ambiental
A menos de um mês do primeiro aniversário de seu governo, o ultraliberal Milei tem apostado na regressão da agenda ambiental. “A natureza deve servir ao ser humano e a seu bem-estar, não o contrário. Os problemas ambientais têm de pôr o indivíduo no centro”, afirmou em junho passado.
“Por isso, o problema ambiental que temos é a extrema pobreza, e isso só poderá ser solucionado se aproveitarmos nossos recursos”, completou.
Em linha com esses conceitos, Milei rebaixou o Ministério do Ambiente ao grau de subsecretaria e distribuiu suas competências. Além disso, eliminou o Fundo de Proteção de Florestas Nativas.
A intempestiva retirada da delegação argentina em Baku foi atribuída a uma reavaliação do novo chanceler, Gerardo Werthein, ex-embaixador da Argentina em Washington.
Péssimo sinal
O Greenpeace Argentina considerou o fato como “péssimo sinal”. “Retirar-se de um processo de tomada de decisões sobre um tema tão sensível e crítico como o financiamento [de políticas ambientais] é uma oportunidade perdida em relação aos que poderão se beneficiar dos acordos que saiam de Baku”, afirmou a organização ambientalista, em comunicado.
Na COP28, em dezembro de 2023 em Dubai (Emirados Árabes Unidos), a Argentina reiterou sua decisão de manter-se no Acordo de Paris. Quase um ano depois, diante do ocorrido em Baku, há dúvidas.
“Há uma preocupação crescente sobre a possibilidade de a Argentina sair do Acordo de Paris”, afirmou Oscar Soria, diretor do The Common Initiative, uma organização ambientalista com sede em Nova York. “Mas não se pode fazê-lo com um simples decreto presidencial”, completou, para explicar que uma medida dessa natureza depende de apoio do Congresso.
A Argentina ratificou o Acordo Paris em 2016, um ano depois de sua celebração. O fato de ter sido aprovado pelo Congresso argentina dá ao tema proteção constitucional. Dessa forma, a retirada do país romperia “uma sólida legislação sobre a ação climática”. “Se [Milei] insistir, estamos prontos para uma batalha legal”, completou Soria.
Violação constitucional
Em seu artigo 41, a Constituição argentina estabelece o direito de seus cidadãos de desfrutar de um ambiente “saudável”, no qual suas atividades produtivas “satisfaçam as necessidades presentes sem comprometer as gerações futuras”.
Se Milei avançar contra esses princípios, “estará violando o direito de milhões de argentinos a um ambiente saudável, e tal decisão irresponsável terá consequências negativas para a economia”, argumentou Soria.
Para o biólogo Guillermo Folguera, do centro de pesquisas científicas Conicet, a esperança concentra-se na ação de organizações civis para impor um limite a presidentes que, como Milei, dizem sem enrubescer que o ambiente tem de ser usado unicamente para gerar bens e não como um lugar de vida”.
“Há centenas de assembleias e comunidades organizando-se para enfrentar as corporações às quais Milei oferece vantagens. Elas são a esperança sobre como pensar um projeto latinoamericano para enfrentar a espoliação ambiental”, disse Folguera.
Segundo Soria, a ação climática global continuará com ou sem a Argentina. “Isso ficou claro quando Donald Trump tomou a decisão de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, em 2017. Muitos líderes de extrema direita subestimaram antes o Acordo de Paris”, afirmou.