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Argentina campeã em estabilização fracassada; Brasil vice – 25/10/2023 – Mercado

Refém de uma crise que atravessa diferentes governos e faz com que a inflação alta seja parte do cotidiano da população, a Argentina foi o país da América Latina que mais fracassou em planos de estabilização nos últimos 50 anos —seguida pelo Brasil.

De acordo com um estudo de economistas da UBA (Universidade de Buenos Aires) e do Conicet (Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas, na sigla em espanhol), 13 países da região passaram por 46 tentativas de estabilizar a economia de 1970 a 2020.

Em meio século, os latinos colecionam casos de sucesso, fracassos quase que imediatos e sucessos temporários, que conseguiram controlar a inflação por até um ano e meio após o lançamento das medidas.

Nesse período, apenas 12 (26%) dos programas conseguiram domar a inflação de forma duradoura, segundo o levantamento dos argentinos Martín Rapetti, Gabriel Palazzo e Joaquín Waldman.

Os casos de sucesso conseguiram conter os preços, estabilizaram o tipo de câmbio nominal e equilibraram as contas públicas e externas —cinco planos já começaram com superavit primário e os outros seis o conseguiram no ano seguinte ao lançamento.

“Aqueles que têm sucesso duradouro não só partem de situações fiscais mais confortáveis, como mantêm uma situação fiscal equilibrada ao longo do plano”, diz Rapetti.

Além do Plano Real, no Brasil, outros casos de planos que deram certo, pelos critérios do economistas, são a Tablita Cambiária chilena, de 1978, a dolarização do Equador, em 2001, e o Pacto de Solidariedade Econômica do México, em 1987.

Os pesquisadores argumentam que a persistência da inflação na América Latina se tornou um problema recorrente e virou crônico em alguns países, se mantendo elevada por vários anos ou décadas e levando os agentes econômicos a se adaptarem a essa situação.

O critério usado por eles foi selecionar planos aplicados em países com uma taxa de inflação média de 20% nos dois anos anteriores ao lançamento do plano.

No período, os argentinos tiveram, de longe, o desempenho mais acidentado da região: sete planos fracassados (entre 1976 e 2018), quatro sucessos temporários que duraram até um ano e meio, e um sucesso mais longo, em 1991, mas que teria um fim trágico na década seguinte.

Após uma hiperinflação, durante o governo de Carlos Menem, o Plano de Conversibilidade (do ministro da Fazenda, Domingo Cavallo) instituiu uma nova moeda nacional e decretou que cada peso argentino valeria um dólar.

O Plano Cavallo é considerado bem-sucedido pelos critérios dos pesquisadores, por ter controlado a inflação por um período mais longo do que um ano e meio, mas se mostrou uma armadilha mais tarde.

A falta de um mecanismo de saída da paridade desembocou no “corralito” e no “corralón”, em 2001 e 2002, com corrida bancária, confisco, e uma crise que fez o país ter cinco presidentes em 11 dias.

“O tipo de câmbio tem um papel de âncora nesses planos, mas ele acaba ficando para trás em relação aos preços, da mesma forma que a âncora de um navio. A eventual correção desse atraso pode gerar uma crise, por isso é preciso também de um plano de saída”, diz Rapetti.

Já o Brasil coleciona seis planos fracassados, de 1983 a 1991, com alguns desses planos ainda frescos na memória da população. Em 1986, o Plano Cruzado do governo de José Sarney tinha a missão de derrubar a inflação instituiu uma nova moeda, com congelamento de preços e da taxa de câmbio. O plano terminou em desabastecimento e redução das reservas internacionais.

Para o economista da UBA, Brasil e Argentina tiveram experiências parecidas com o fim da ditadura, e o Cruzado tem semelhanças com o Plano Austral, do governo de Raúl Alfonsín, e ambos se inspiraram em um plano feito em Israel.

“As versões latinas não funcionaram, pela falta de um ajuste fiscal suficientemente profundo e um margem menor para resolver o endividamento deixado pelos governos militares.”

Na década de 1990, o Plano Collor determinou, entre outras medidas, a redução dos saques de poupanças, aplicações e contas, e ficou com uma lembrança amarga.

Em 1994, o Plano Real foi instituído. Segundo o Banco Central, o plano contava com três etapas: um ajuste fiscal emergencial, a criação de uma moeda de transição, a URV (Unidade Real de Valor), usada como unidade de conta e indexada ao dólar, e a troca da moeda —de cruzeiro real para real.

“Mesmo o real, apesar de ser bem-sucedido, enfrentou uma desvalorização em 1999 e ainda conviveu com taxas de juros muito altas”, lembra o argentino.

NOVO PLANO NA ARGENTINA É INEVITÁVEL, DIZ PESQUISADOR

O ano de 2006 foi o último em que a Argentina registrou uma inflação de um dígito, quando o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) avançou 9,8%, segundo o Indec (instituto argentino de estatísticas e censos). Atualmente, a inflação anual registrada em setembro alcançou 138,3%.

Nesse cenário, a economia é uma das principais questões da eleição presidencial argentina deste ano, em que o ministro da Fazenda, Sergio Massa, vai enfrentar o economista ultraliberal Javier Milei no segundo turno, em novembro.

No domingo (22), Massa terminou o primeiro turno em primeiro lugar, com 36,7% dos votos, e Milei, que esperava vencer no primeiro turno, ficou em segundo, com 30%.

Entre as principais ideias que tornaram Milei popular, sobretudo entre os eleitores mais jovens, estão as propostas de acabar com o banco central e de dolarizar a economia.

Já Massa tem afirmado que o país sofreu este ano com uma forte seca que afetou as exportações de grãos e com os termos do acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) firmado no governo anterior, de Mauricio Macri, mas que 2024 será um ano de maior ingresso de dólares.

Para Rapetti, os argentinos voltarão às urnas para escolher que tipo de saída econômica querem para o país, e um novo plano de estabilização é inevitável para o próximo governo. “Mas a dolarização proposta por Milei seria um erro, estaríamos contratando uma crise futura e perderíamos competitividade externa.”

“A dolarização de Milei é uma loucura”, concorda o coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da FGV (Fundação Getulio Vargas), Nelson Marconi. “Se ele fizer, isso vai causar uma hiperinflação, as pessoas vão correr ainda mais para os dólares, que o país não tem. Por outro lado, as medidas tradicionais não vêm funcionando.”

“A Argentina vai precisar fazer algo parecido com o Plano Real, com um ajuste fiscal e uma URV. Será preciso também fazer um acordo para negociar aumentos de salários compatíveis com o processo de queda da inflação e um plano de para aumentar no futuro a oferta de energia barata”, diz Marconi.

Fonte: Folha de São Paulo

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