A quatro meses da posse presidencial na Venezuela, em 10 de janeiro de 2025, a principal coalizão opositora ao regime de Nicolás Maduro insiste que Edmundo González, agora refugiado no exterior, será juramentado presidente na data. A pergunta é: como?
“Nossa estratégia é conseguir fazer com que as bases que ainda sustentam Maduro no poder entendam que o que o regime tem feito não é nada bom e que o país precisa respeitar a vontade do povo nas urnas”, responde Juan Pablo Guanipa, 59, uma das principais lideranças opositoras que seguem na Venezuela.
Ele se refere aos membros das Forças Armadas e de outros Poderes que sustentam o chavismo –praticamente todo o aparato do Estado, do Legislativo ao Judiciário, está emaranhado na ditadura.
Mas ressalva: “Nos altos níveis desses Poderes não tenho nenhuma esperança, porque funcionam como um verdadeiro cartel. Quando se está ali, é difícil sair, o custo é alto demais. Mas nas bases é diferente.”
Há quem diga na oposição que ainda se diz chavista que um racha no poder é inimaginável. Mas o ex-deputado Guanipa, outrora governador eleito do importante estado petroleiro de Zulia, diz que há um “nível de consciência quando se olha para os escalões mais baixos”.
“Note que, antes que tivéssemos os mais de mil presos que temos agora [são quase 1.800 prisões políticas até aqui, segundo a ONG Foro Penal], tínhamos mais militares detidos políticos do que civis.”
É verdade. Até o mês de junho, antes que fosse intensificada uma onda de detenções de pessoas diretamente ligadas à coalizão opositora, a respeitada Foro Penal reportava 287 pessoas presas. Destas, 149 (portanto, mais da metade) eram funcionários militares.
Agora que as cifras se multiplicaram na terceira grande onda repressiva desse século na Venezuela, intensificada após a eleição de 28 de julho e a proclamação de Maduro sem base em dados concretos, há 157 militares presos entre os 1.800 detidos políticos. A maior parte foi detida antes da eleição.
Também não é incomum encontrar militares desertores, que deixaram a Venezuela, alguns deles inclusive rumo ao Brasil, por estarem em desacordo com as práticas das fileiras que compunham.
“Uma Força Armada não pode estar integrada por um ministro que diga que é profundamente socialista ou chavista, como hoje ocorre. Ideologizaram a força militar venezuelana, converteram-na em um partido político, e muita gente de dentro não concorda com isso.”
Um dos alvos preferenciais de altas figuras do regime chavista em suas declarações públicas, Guanipa nega que a saída de González do país para asilar-se na Espanha de Pedro Sánchez enfraqueça a mobilização.
“O fato de que Edmundo González esteja agora na Espanha abre uma possibilidade de que, com seu background diplomático [ele é diplomata de carreira] possa conversar e se articular com a Europa e as Américas, com o mundo ocidental. É uma boa estratégia para ter mais apoio internacional, enquanto seguimos aqui, com María Corina.”
Ele insiste que mostrar às bases chavistas o isolamento internacional de Maduro e a pressão doméstica que a coalizão opositora ainda consegue promover é a saída para mobilizá-las a romper com o regime nos próximos meses.
Os atos da oposição seguem nas ruas, mas os relatos dos poucos jornalistas independentes que conseguem trabalhar in loco na Venezuela indicam que já há menor participação das favelas, os chamados barrios, onde a repressão tem sido maior.
Guanipa é líder do Primeiro Justiça, um dos partidos que compõem a coalizão opositora chefiada por María Corina Machado, inabilitada para concorrer à Presidência. Ele é de Maracaibo, mas segue em Caracas e resguardado, como insistem em descrever-se os opositores.
“Não vivo em Caracas, sou de Maracaibo e lá vivo. Minha família está lá. Minha esposa morreu há cinco meses, e meu desejo era estar com meus filhos, mas lamentavelmente isso não é possível. Estou em Caracas, resguardado, e saio apenas em momentos pontuais para os protestos.”
Há pouco menos de duas semanas, durante o dispersar de um ato opositor em Caracas, Guanipa relatou ter sido perseguido por agentes do regime. No mesmo dia, em circunstâncias semelhantes, foi preso Biagio Pilieri, outro dirigente opositor.
“A saída de González é uma demonstração de que a Venezuela vive o terrorismo de Estado. Temos um Estado terrorista, que persegue as pessoas, que deveria ser o promovedor do bem-estar social mas se converteu no carrasco da sociedade”, diz Guanipa nesta conversa com a reportagem por videochamada.
A oposição insiste que a ditadura libere publicamente as atas eleitorais fruto das urnas eletrônicas de votação ou, então, que aceite abrir as urnas físicas, onde são depositados os comprovantes em papéis logo após o voto eletrônico. O regime, a Justiça aliada ao regime e o órgão eleitoral cooptado pelo regime não dão nenhum sinal de que o farão.
“Nós temos direito de rebelar-nos, de resistir, de não nos conformarmos com o que está ocorrendo no país. E temos a obrigação de seguir. É o que vamos fazer.”