Após um fim de semana de escalada aguda na troca de fogo entre Israel e o Hizbullah, o governo de Tel Aviv decidiu nesta segunda (16) evacuar a população de toda a população em uma faixa de 2 km a partir de sua fronteira com o sul do Líbano, levando os moradores para pensões estatais.
A faixa engloba 28 cidades e vilas. Na sexta (13), o governo já havia criado uma zona de exclusão de 4 km na cidade mais ao norte junto ao Líbano, Metula. No domingo, um israelense morreu atingido por 1 dos 5 mísseis antitanques lançados pelo Hizbullah, que por sua vez foi alvejado por artilharia e aviões de combate israelenses.
Nesta segunda (16), houve uma redução na atividade, com trocas de tiros mais esporádicas, talvez reflexo do temor de uma evolução imprevisível e regionalizada da guerra entre Tel Aviv e o grupo terrorista Hamas, da qual o Hizbullah é aliado —ambas as entidades são apoiadas pelo Irã, o grande rival regional de Israel.
Ao longo do domingo, autoridades americanas advertiram Teerã para não incentivar seus prepostos regionais a abrir uma segunda frente para os israelenses.
“Minha mensagem para o Irã é: não cruze a fronteira, não escale a guerra”, finalizou o presidente Joe Biden em sua primeira entrevista mais longa após o início da crise, disparada há duas semanas quando o Hamas brutalizou comunidades de Israel no pior ataque ao país em 50 anos.
De forma menos comedida, os americanos bancaram sua posição ao enviar seu maior porta-aviões nuclear para a região e encaminhar um segundo, que deve chegar em três semanas. Além disso, posicionaram mais caças e aviões de ataque em suas bases no Oriente Médio, e o aliado Reino Unido encaminhou dois navios de guerra ao Mediterrâneo oriental.
De seu lado, apesar de a missão iraniana na ONU dizer que não pretende se envolver no conflito, Teerã lançou diversas advertências nas palavras de seu chanceler, Hossein Amirabdollahian, que encontrou-se com seus aliados regionais desde o final da semana passada: Síria, Líbano, Hamas, Hizbullah e Jihad Islâmica.
O grupo forma o que o Irã chama de Eixo da Resistência, visando principalmente evitar a normalização de relações diplomáticas entre Israel, a quem não reconhecem a existência, e seus vizinhos árabes. O grupo tem na Rússia e, em menor medida, na China seus maiores apoiadores entre as grandes potências.
Nesta segunda, o presidente russo, Vladimir Putin, conversou ao telefone com o ditador sírio, Bashar al-Assad, antes de discutir a necessidade de um cessar-fogo com o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, com o ditador egípcio, Abdul Fattah al-Sisi e com o presidente palestino, Mahmoud Abbas —rival do Hamas.
Em 2015, o Kremlin interveio na guerra civil síria, montando uma força aérea expedicionária que ainda está por lá, salvando o aliado. Putin quer que essa presença se mantenha, mas teria muito a perder com uma guerra regional, pois poderia ter de se envolver em alguma medida enquanto está com todo foco na sua invasão da Ucrânia. Já emergir como mediador seria bom negócio.
À Síria, que teve aeroportos alvejados por Israel como advertência para não transferir armas para Hizbullah e Hamas, um conflito aberto seria péssimo, dado que o país ainda está retalhado por facções beligerantes e busca normalização.
Ao Irã também não interessa, exceto que haja um plano secreto para tentar destruir Israel que vá além a retórica, um conflito generalizado. O país está com a situação econômica instável e, ao fim, uma guerra existencial poderia fazer Tel Aviv lembrar o mundo que tem 90 ogivas nucleares.
Por isso que Teerã financia, com por exemplo estimados R$ 3,5 bilhões anuais para o Hizbullah, os grupos regionais como o Hamas. A escala do ataque terrorista do grupo palestino, contudo, faz crer que sua liderança busca exatamente uma reação, ciente de que a retaliação de Israel à Faixa de Gaza que comanda seria também brutal.
No meio de tudo isso, ficam os civis. No Líbano, a situação é ainda mais complexa, pois o Hizbullah é importante ator político, com domínio territorial no sul do país, onde opera desde 1978 uma força da ONU, a Unifil.
A fronteira atual com Israel, chamada de Linha Azul, foi estabelecida em 2000 para marcar o limite da retirada de Tel Aviv, que havia invadido o vizinho em 1982 atrás da liderança palestina ali exilada, envolvendo-se numa horrenda guerra civil, que só viria a acabar oito anos depois.
A paz não veio, contudo, com divisões sectárias dando as cartas no Líbano, e incidentes como a guerra de 2006 entre Israel e o Hizbullah, encerrado num empate. O grupo saiu com boa reputação militar, e hoje tem um arsenal estimado em até 150 mil mísseis e foguetes, o que torna sua eventual entrada na atual guerra um pesadelo para as IDF (Forças de Defesa de Israel).
Mas a precária situação econômica do Líbano em tese desautoriza interesse também do Hizbullah, apesar das trocas de tiros para marcar posição até aqui. O primeiro-ministro do país, Najib Mitaki, disse nessa segunda à rede Al Jazeera que “estamos no olho da tempestade, ninguém pode prever o que vai acontecer”.
“O governo continua seus contatos internos e externos para manter a calma e distanciar o Líbano das consequências da guerra em Gaza”, afirmou ele, que na sexta (13) havia se encontrado com o chanceler iraniano.
Em uma prova da complexidade das lealdades regionais, o Exército libanês encontrou e apreendeu nesta segunda 20 lançadores de foguetes prontos para uso no sul do país, mas eles não eram do Hizbullah, e sim de militantes do Hamas operando na região.