O Tribunal Penal Internacional emitiu nesta quinta-feira (21) uma ordem de prisão contra o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant por crimes cometidos na Faixa de Gaza. O mais provável é que nenhum dos dois seja preso. Mas a privação de liberdade é o que menos importa neste momento.
Para acabarem atrás das grades, Netanyahu e Gallant teriam de pisar no território de algum dos 124 Estados signatários do Estatuto de Roma que tivesse a intenção de capturá-los, o que é muito improvável.
A situação de ambos é agora parecida à de Vladimir Putin —o presidente russo tem contra si uma ordem de prisão emitida pelo mesmo TPI, em março de 2022, por crimes cometidos na Ucrânia. Para evitar ser preso, Putin fica em casa ou só viaja para países amigos. A leniência é grande, tanto é que o presidente Lula o convidou em agosto para vir ao Rio em novembro, no encontro do G20, mesmo sabendo que Putin é alvo da corte internacional há mais de dois anos.
Como não existe uma polícia mundial que ande atrás dos procurados, o sistema depende dos próprios Estados, que não agem exatamente conforme a lei, mas conforme seus cálculos mais imediatos de afinidade ideológica e de conveniência política.
Mesmo que Netanyahu e Gallant não sejam presos, porém, a ordem emitida pelo TPI tem dois outros efeitos mais estruturais, com consequências profundas no longo prazo.
O primeiro é o reconhecimento do caráter estatal pleno da Palestina, num momento em que a solução de dois Estados nunca pareceu tão distante. A corte entende que Israel e Palestina “são duas Altas Partes Contratantes das Convenções de Genebra de 1949” e “Israel ocupa pelo menos parte da Palestina”.
As duas afirmações contradizem frontalmente a posição israelense, que não reconhece a Palestina como Estado que possa assumir compromissos internacionais. Além disso, Israel nega que siga ocupando a Faixa de Gaza desde setembro de 2005.
Essa posição do TPI também reafirma o entendimento de que mesmo cidadãos cujo país não reconhece a jurisdição do tribunal, como é o caso de Israel, podem ser alcançados pela corte. Para que isso aconteça, basta que os crimes em questão tenham ocorrido no território de um Estado que reconheça o TPI —no caso, a Palestina.
O segundo aspecto relevante dessa ordem é o reconhecimento de que a resposta militar israelense ao 7 de Outubro na Faixa de Gaza está repleta de ilegalidades, incluindo o uso da fome como método de guerra, assassinatos deliberados de civis, perseguições à margem da lei e a privação de acesso a itens essenciais para sobrevivência, como água, alimentos, insumos médicos, abrigo, combustível e eletricidade.
Essas constatações terão efeito negativo para Israel em outro processo judicial, no qual Israel é acusado pela África do Sul, na Corte Internacional de Justiça, de cometer genocídio contra os palestinos.
Difícil imaginar a esta altura dois reveses maiores para Israel que estes dois: o reforço internacional ao caráter estatal da Palestina, com a reafirmação de que Tel Aviv ainda exerce o papel de potência de ocupação em Gaza, com todas as obrigações decorrentes disso; e a longa lista de crimes atribuídos às forças israelenses nessas circunstâncias, o que não sacramenta, mas aumenta as chances de uma condenação por genocídio mais adiante.