O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, decidiu subir o tom de sua retórica acerca do território que pretende tomar da Guiana, a região de Essequibo, após o plebiscito que convocou sobre o tema ser um fracasso de público.
Com isso, visa galvanizar apoio doméstico e cria um problema regional maior, que afeta seu aliado Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na terça (5), Maduro apresentou o que considera o novo mapa de seu país, amputando 70% do território do país vizinho, anunciou concessões petrolíferas em terras que não tem e nomeou um general para assumir um posto fronteiriço como “única autoridade” da região.
No processo, todo ele ao arrepio da lei internacional, esqueceu de falar sobre os moradores de Essequibo, cerca de 120 mil pessoas, e reservou os apupos de praxe contra os Estados Unidos, apontados como potência colonial porque a americana ExxonMobil explora desde 2019 os campos de petróleo da região disputada desde o século 19.
Com tudo isso, Maduro tenta mascarar o fato de que apenas 50,7% dos 20,7 milhões aptos a votar no plebiscito do domingo (3) apareceram, isso segundo o governo. A oposição aponta que o número pode ser bem menor.
O ditador pode se gabar de que 96% disseram sim, na média, às cinco perguntas direcionadas por Caracas para justificar a anexação de Essequibo e refutar a jurisdição da disputa na Corte Internacional de Justiça, conforme diz a ONU. Isso aconteceria mesmo se María Corina Machado, a por ora inelegível líder da oposição, estivesse no poder. Essequibo está para a Venezuela assim como as ilhas Malvinas estão para a Argentina.
Maduro brinca assim de general Leopoldo Galtieri, ditador argentino que resolveu tentar salvar seu regime invadindo e ocupando o arquipélago do Reino Unido em 1982. O discípulo de Hugo Chávez (1954-2013) alimenta fama de fanfarrão, mas conhece o resultado daquela aventura, derrota e implosão da junta militar em Buenos Aires.
Com 123 mil militares e Forças Armadas bem equipadas para o padrão regional, embora nada se saiba sobre seu índice de operacionalidade, a Venezuela no papel venceria qualquer guerra contra a Guiana, que tem meros 3.400 homens, caso não houvesse intervenção externa.
Mas teria de fazê-lo pelo mar e ar, o que é bem difícil, já que por terra teria de passar pelo Brasil porque Essequibo é no geral uma floresta impenetrável. E isso implicaria uma guerra com Lula.
Com dois grupos de porta-aviões em torno do Oriente Médio para dissuadir o Irã e seus prepostos de intervir na guerra Israel-Hamas, os EUA têm demonstrado renovado apetite por mostrar força militar quando necessário —com limites a depender do rival, como o conflito na Ucrânia prova, claro.
Assim, apoio ainda que simbólico à Guiana é algo relativamente simples, mas o governo de Joe Biden parece ter optado pela via diplomática, com a sinalização dada na terça pela Casa Branca de que segue “engajado” em conversas sobre as sanções sobre a Venezuela, aliás o maior aliado regional da rival Rússia.
Seguirá sendo assim enquanto Maduro restringir suas bravatas ao que elas são hoje, inclusive no campo econômico e operacional: o país até recuperou parte de sua produção de petróleo, para 750 mil barris/dia, ante metade disso em 2020, mas está longe dos 3 milhões de barris/dia dos anos 1990.
Qualquer passo que ameace diretamente a operação da ExxonMobil em Essequibo por via militar poderá gerar uma reação americana —diferentemente das nacionalizações forçadas feitas por Chávez nos anos 2000 e do que diz Maduro, Essequibo é da Guiana.
É um xadrez complexo, que mira a manutenção do status quo da ditadura na eleição presidencial de cartas marcadas de 2024, em que por ora a oposição está barrada de concorrer. No meio do tiroteio está Lula, que passou as duas últimas décadas defendendo o chavismo.
A última coisa que o petista precisa é mais um constrangimento na política externa, a área em que prometia se destacar dada a terra arrasada legada por Jair Bolsonaro (PL). Se levou o país de volta a fóruns internacionais, Lula acumula tropeços, coroados pela missão impossível de defender agendas ambientais e namorar a Opep ao mesmo tempo.
Nos mandatos anteriores, Lula toureava o voluntarismo de Chávez e servia de contraponto moderado na região. Agora, Maduro é visto como mais imprevisível pela diplomacia e pelos militares brasileiros, e o Brasil já é afetado pelo influxo diário de 400 refugiados venezuelanos em Roraima.
Assim, o Itamaraty põe panos quentes na crise, enquanto a Defesa usa um aumento mínimo de contingente já previsto em Roraima como sinal político de que está de olho na situação. Se ela desandar por algum motivo, contudo, o amor professado pelo PT e pelo Planalto será posto à prova publicamente.