A brutal eclosão da guerra em Israel, a partir dos ataques do grupo terrorista palestino Hamas no sábado (7), tem impacto direto no conflito que vinha concentrando as atenções do mundo, a invasão russa da Ucrânia.
As piores notícias, de imediato, são para Kiev. Após anos de relativo marasmo, enfatizando o relativo na frase, o Oriente Médio voltou ao centro das preocupações dos Estados Unidos e do Ocidente em geral, pontos em que o conflito israelo-palestino tem poderosos lobbies de lado a lado.
As dificuldades que Volodimir Zelenski vinha tendo nas últimas semanas tendem a se acentuar. Se antes ele via os calendários eleitorais europeu e americano recrudescerem as críticas sobre os bilhões de dólares já fornecidos em armas para Kiev, agora ele pode ver uma dispersão do foco no combate aos russos.
A isso se somam dificuldades internas na contraofensiva que não deu resultado após quatro meses, com a janela climática que favorece operações se fechando em breve. Nesta segunda (9), Zelenski demitiu o chefe das forças terrestres do país, diretamente responsável pela ação.
Há também um problema potencial. Boa parte das munições que os EUA vinham enviando à Ucrânia estava em depósitos pertencentes a Washington em Israel —reservas justamente para apoiar o aliado em caso de uma guerra.
Ninguém falou sobre o assunto até aqui, e não se sabe se os arsenais já foram todos esvaziados. Se não, dificilmente serão empregados agora, apesar de Zelenski ser judeu a apoiador de primeira hora de Israel. Isso num momento em que os aliados liderados pelos EUA na Otan afirmam que estão “vendo o fundo o barril” nos seus estoques para municiar Kiev.
Para Moscou, isso tudo é boa notícia. O Kremlin inclusive já adotou a narrativa de que a guerra é mais um sinal da decadência ocidental, cujo imperialismo e interesses diversos esculpiram o disfuncional Oriente Médio moderno, e se colocou como um artífice eventual para a paz.
“Não posso deixar de mencionar a política destrutiva dos EUA, que atrapalha esforços coletivos”, afirmou nesta segunda em Moscou o chanceler Serguei Lavrov, após encontrar-se com o chefe da Liga Árabe, Ahmed Abul Gheit. Historicamente, o Kremlin apoia os palestinos, embora isso não signifique hoje um rompimento com Israel, ao contrário.
Mas o conflito ainda em etapas iniciais está jogando luz ao relacionamento próximo do governo de Vladimir Putin com o regime do Irã, que apoia o Hamas e a Jihad Islâmica, outro grupo terrorista ativo na região.
Líderes do Hamas e da Jihad já foram recentemente à Rússia, sendo recebidos pelo chanceler Serguei Lavrov. Os grupos operam armas russas mais antigas, como mísseis antitanque Kornet, além de fuzis e sistemas antiaéreos portáteis.
A proximidade levou, claro, a acusações sem provas em alguns meios de comunicação e redes sociais de que Putin teria ajudado na elaboração do ataque a Israel. Um dos sinais apontados, além da sofisticada elaboração do golpe, foi o emprego extensivo de drones com munições contra tanques e blindados israelenses.
Isso na realidade diz mais sobre um despreparo de Tel Aviv, que parece ter ignorado as lições que quase 600 dias de guerra na Ucrânia mostravam ininterruptamente em redes sociais. Quando o Hizbullah libanês disparou na fronteira, no domingo (8), o erro se repetiu, com obuseiros autopropulsados M109 enfileirados em campo aberto para atirar de volta, sendo alvos suculentos para drones.
No mais, à Rússia não interessa a escalada do conflito pela natureza de seu envolvimento no Oriente Médio. Putin é aliado da teocracia de Teerã e dela recebe drones suicidas, mas mantêm uma relação que já foi mais próxima, mas é importante, com os israelenses.
O presidente e o premiê Binyamin Netanyahu são descritos como próximos, e ambos os países coordenam ações na guerra civil com a Turquia. Moscou tem uma base aérea e outra naval no país árabe, e garantiu a sobrevivência da ditadura de Bashar al-Assad a partir de 2015. Para o Kremlin, o ideal é a manutenção do status quo.
Não menos pelo risco de escalada: Putin não tem musculatura militar para se envolver em uma segunda guerra, na hipótese de o conflito Israel-Hamas envolver o Irã —algo que Teerã diz não querer. Seu aliado Assad mal consegue manter controle da maior parte de seu país, por mais que seja desafeto e nem reconheça Israel.
Forças russas têm se estranhado com aeronaves americanas sobre a Síria neste ano, mas isso não implica interesse em mais do que provocações salvo alguém querer uma Terceira Guerra Mundial. Por via das dúvidas, Washington enviou seu sinalizador usual de disposição militar ao posicionar um grupo com seu mais novo porta-aviões perto de Israel, e isso deve por ora bastar.