O presidente Joe Biden encerrou a primeira noite da convenção democrata, e a sua despedida da política, de maneira enérgica. Em um discurso cerca de uma hora, o democrata elencou as conquistas de seu mandato e passou o bastão para Kamala Harris e Tim Walz como aqueles que darão continuidade ao seu trabalho.
“Estados Unidos, eu dei o meu melhor a você”, disse citando, citando o trecho de uma música. “Eu cometi muitos erros na minha carreira, mas dei meu melhor a vocês.”
Ao entrar no palco, Biden foi ovacionado pelo público, e precisou esperar uns minutos até que conseguisse começar a falar. A plateia, formada por milhares de delegados do partido, entoou frases como “nós amamos Joe” e “obrigada, Joe” em diversos momentos. Uma espécie de cartaz, semelhante a um bastão, com a frase “nós <3 Joe” foi distribuída para o público, formando um mar no United Center, em Chicago, que sedia o evento.
“Eu fui chamado de muito novo para ser senador, e muito velho para continuar a ser presidente, mas quero que saibam o quão grato eu sou a vocês. Eu estou mais animado com o futuro hoje do que quando fui eleito pela primeira vez ao Senado”, disse o presidente.
Biden relembrou o cenário do país quanto tomou posse, há quatro anos, após uma tentativa de reverter a derrota na eleição pelo então presidente, Donald Trump.
“Era um inverno de perigos e possibilidades”, disse. “Agora é verão, o inverno passou, e com um coração grato eu posso dizer a vocês nesta noite de agosto que a democracia prevaleceu. A democracia entregou resultados, e agora a democracia precisa ser preservada.”
“Eu prometo ser o melhor voluntário de campanha que Kamala e Walz já viram”, afirmou.
Até há um mês, o encontro em Chicago oficializaria Biden como o candidato contra Donald Trump. No entanto, pressionado pelo próprio partido, o presidente se retirou da disputa, endossando sua vice, Kamala Harris, para substituí-lo.
Ele foi introduzido por sua filha mais nova, Ashley, 43, que fez um discurso emocionado. Antes dela, a primeira-dama, Jill, discursou. Ao encerrar o discurso, juntaram-se a ele no palco a vice-presidente Kamala Harris, a primeira-dama, Jill, e familiares.
Biden teria ficado magoado com os líderes do partido que orquestraram o movimento pela sua saída do pleito. Estão nesse grupo a ex-presidente da Câmara Nancy Pelosi e o ex-presidente Barack Obama.
Em uma mistura de tentativa de reconciliação e homenagem ao democrata, o primeiro dia do evento foi dedicado a reconhecer o seu governo e o seu gesto, descrito como um ato heroico. Em diversos momentos, a audiência entoou a frase “obrigada, Joe” e “nós amamos o Joe”.
Kamala Harris fez uma curta aparição surpresa no início do horário nobre, por volta das 20h (horário local). “Esta semana vai ser maravilhosa. Quero dar o pontapé inicial celebrando o nosso incrível presidente Joe Biden”, disse. “Por tudo o que você fez, nós seremos eternamente gratos a você.”
A deputada Alexandria Ocasio-Cortez, uma das vozes mais aplaudidas da noite, também começou seu discurso saudando o presidente. “Obrigada, Joe Biden, por sua liderança”, disse. Em apoio a Kamala, a democrata disse que a vice-presidente é “pela classe média, porque vem da classe média”.
AOC, como é conhecida, foi a única das participantes da noite que citou Gaza. “Kamala está trabalhando para garantor um cessar-fogo em Gaza e trazer os reféns para casa”, afirmou. O público entoou seu apelo, “AOC”.
Mas a pessoa mais ovacionada da noite, tirando da conta Joe Biden, foi Hillary Clinton. A primeira mulher a disputar a Presidência dos Estados Unidos por um grande partido afirmou que a sua história é a de que o progresso é possível, mas não garantido.
Ao entrar no palco, ela foi ovacionada pela plateia que aplaudia de pé e teve que esperar um pouco até que o público se acalmasse para começar a falar.
“Milhões de americanos votaram por um futuro em que não há tetos em nossos sonhos”, disse. “Depois, nós mantivemos nosso olhar no futuro. Bom, meus amigos, o futuro é agora”, afirmou.
Afora os grandes nomes democratas, o partido também levou ao palco o técnico do time de basquete dos EUA, que acabou de ganhar a medalha de ouro nas Olimpíadas, Steve Kerr.
“Eu sei que falar de política hoje em dia tem seus riscos. Eu consigo ver os tuítes ‘cala a boca e apite’ sendo disparados agora. Mas eu também soube, assim que fui convidado, que era algo importante demais, como um cidadão americano, para não me manifestar em uma eleição dessa magnitude”, disse ele.
“Eu acredito que líderes devem mostrar dignidade. Eu acredito que líderes devem falar a verdade. Eu acredito que líderes devem ser capazes de rirem de si mesmos. Com Kamala Harris e Tim Walz, eu vejo todas essas qualidades. De técnico para técnico: aquele cara é demais”, completou.
Eixo central da campanha democrata, o aborto foi tratado na noite na voz de quatro pessoas afetadas pela revogação do direito constitucional ao aborto pela Suprema Corte: Amanda e Josh Zurawski, do Texas, Kaitlyn Joshua, de Louisiana, e Hadley Duvall, do Kentucky.
Apesar do diagnóstico de que a gravidez não era viável, o casal Zurawski não pode interromper a gestação, e Amanda teve que esperar até um momento de alto risco para sua vida. Joshua teve um aborto espontâneo, e teve o atendimento negado por dois pronto-socorros. Duvall foi abusada pelo padrasto e engravidou aos 12 anos. Ela teve um aborto espontâneo, mas, se isso não tivesse ocorrido, não poderia ter interrompido a gravidez, porque o estado não abre exceção para casos de estupro.
Outro nome de destaque da noite foi o presidente da UAW, o sindicato dos trabalhadores da indústria automobilística, Shawn Fein. O sindicalista agradeceu Joe Biden pelo apoio aos trabalhadores, relembrando que o democrata foi o primeiro presidente a visitar um piquete, no ano passado.
Em certo momento, Fein tirou o blazer que usava e mostrou a camiseta com a frase “Trump é um fura-greve”, sob aplausos.
“Sim e não”, responde Ryan Husse, 47, ao ser questionado se sentiu aliviado com a desistência do presidente da corrida. “Nós vamos sentir saudades do Joe”, diz o integrante do sindicato dos eletricistas e delegado eleitoral de Michigan, um estado crucial na eleição deste ano.
Com apenas 20 anos, Carolyn Salvador Avila é delegada por Nevada, outro estado essencial para o pleito deste ano, e presidente da organização Universitários Democratas da América. Diante da mesma pergunta, ela responde que “o legado de conquistas de Biden é indiscutível”, para em seguida enfatizar: “mas há muito ânimo agora”.
Meredith Brumfield, 31, vai direto ao ponto: esta segunda-feira é “o dia de agradecer a Joe”.
As respostas algo protocolares sobre a saída de Biden são acompanhadas por uma empolgação com Kamala. “Quando ela virou a candidata, foi como se Jesus ressuscitasse dos mortos”, disse Cornelius McDonald, delegado de Washington D.C.
“Há uma energia que eu nunca vi antes, e eu estou nesse mundo há um tempo, então tenho perspectiva. Acho que temos um momentum agora que nunca tivemos antes. É diferente de Hillary Clinton, as pessoas sabem que precisam lutar por essa eleição”, afirma a deputada estadual Darshun Kendrick, da Geórgia, um estado-pêndulo que era considerado perdido pela campanha de Biden, mas voltou para o jogo com Kamala.
A organização teve menos de um mês para adaptar a convenção a uma nova candidata. A repaginação se traduziu em uma cara mais jovem para o encontro democrata, incluindo o chamado DemPalooza, uma área aberta ao público para fazer braceletes de amizade, manicure e treinamentos de campanha.
Um encontro do grupo LGBTQIA+ do partido nesta segunda também teve a presença de BenDeLaCreme e Peppermint, duas drag queens ex-participantes do programa RuPaul’s Drag Race.