Donald Trump é quase uma unanimidade na Alemanha. Em pesquisa de opinião publicada em outubro pela emissora ARD, 78% dos ouvidos no país declararam preferir sua adversária, Kamala Harris, no comando dos EUA pelos próximos quatro anos.
Apenas 8% dos alemães citam o republicano como opção. A percepção melhora entre os partidários do AfD (Alternativa para Alemanha), o ascendente partido de extrema direita do país. Ainda assim, metade do grupo diz preferir a atual vice-presidente.
A escolha está longe de ser ideológica e é essencialmente europeia. Dos líderes europeus, apenas Viktor Órban vocaliza preferência contrária. Para o primeiro-ministro da Hungria, Trump promoverá “o fim da guerra” no continente, ou “a volta da paz” que interessa a seu aliado Vladimir Putin.
O propalado fim da guerra da Ucrânia, com vitória russa, se daria pela desidratação dos recursos americanos na Otan, a aliança militar ocidental. Como quase tudo que se refere a Trump, o item habita os discursos do ex-presidente, sendo difícil separar bravata da intenção. Se eleito, afirmou mais de uma vez, acabar com a guerra seria questão de um telefonema.
Uma Otan sem dinheiro americano deixa a Europa à mercê de Putin e grande parte da conta para Alemanha, maior economia do continente. Não por outra razão, nesta segunda-feira (4), Mark Rutte, o novo secretário-geral da aliança militar, em visita a Berlim, agradeceu o exemplo dado por Olaf Scholz na área da segurança.
A Alemanha, após décadas, alcançou 2% de PIB em gastos militares, a meta imposta pela Otan para dissuadir os sonhos expansionistas da Rússia. Será preciso bem mais se Trump levar em frente a assertiva eleitoreira de que a guerra na Ucrânia é um problema exclusivo da Europa.
Uma vitória de Putin, assim como a volta do republicano à Casa Branca, alimenta outro grande temor dos mandatários europeus, que é o atual estado de suas democracias.
Na Alemanha, o AfD já é o segundo partido entre as preferências eleitorais, à frente das três siglas que governam o país em coalizão. Sociais-democratas, liberais e verdes trocam farpas e recados diariamente pela imprensa, e mais de um analista aposta que uma eventual ascensão de Trump pode aumentar a confusão.
A extrema direita já governa países importantes no bloco, como Holanda e Itália. Giorgia Meloni, inclusive, posa de candidata a interlocutora de Trump. As eleições para o Parlamento Europeu assustaram os políticos de centro. Emmanuel Macron chamou eleições antecipadas na França, com resultados quase desastrosos. A Comissão Europeia, em sinal evidente dos novos tempos, considerou “inovadoras” ações radicais anti-imigração, como o centro de triagem e detenção que a Itália montou fora do bloco, na Albânia.
Ao mesmo tempo, ataques híbridos de Moscou em eleições de países antes próximos, como Geórgia e Moldova, denotam o tamanho do desafio de conter Putin e a máquina de manipulação e desinformação do Kremlin. Nada indica que a presença de Trump melhore todo esse cenário, pelo contrário.
Pelo aspecto econômico, a perspectiva europeia da eleição americana fica relativamente mais equilibrada. Trump promete elevar tarifas de importação, outro mantra de apelo eleitoral sem fundamento prático para o qual a União Europeia já se prepara. Em alguns setores, porém, sua atuação não seria muito diferente da de Harris.
De acordo com análise do Financial Times, as montadoras de veículos europeias, por exemplo, estarão expostas ao protecionismo americano em qualquer hipótese. Garantir empregos em fábricas americanas é uma das poucas prioridades comuns dos candidatos. As marcas alemãs, já pressionadas por uma guerra tarifária do bloco europeu com a China e defasadas no processo de eletrificação, ficarão especialmente expostas.
Há ainda a incógnita do quanto Trump poderá mexer no Ato de Redução de Inflação de Joe Biden, que despeja bilhões na economia verde, com reflexos globais. Ainda que o republicano vocifere diante do termo e alimente saudosismo por combustíveis fósseis, até mesmo executivos de petrolíferas projetam dificuldades para desfazer a teia de subsídios criada pela administração atual.
Ainda assim, o retrocesso na política ambiental, assunto caro aos europeus, seria mais do que esperado em uma nova gestão Trump, recriando um ponto de atrito até aqui incontornável. Em sua primeira gestão, ele tirou os EUA do Acordo de Paris, manobra de impacto que promete repetir se eleito.
Também será importante acompanhar o comportamento de um eventual segundo mandato de Trump na área de tecnologia. Um dos seus principais cabos eleitorais, certamente o mais rico, Elon Musk, está há meses em rota de colisão com a União Europeia pela falta de mecanismos de controle no X.
Como no setor de ambiente, a moderna e abrangente legislação do bloco, que afeta as chamadas Big Techs, extrapola o continente e influencia leis em todo o mundo.