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Afeganistão: Talibã tenta apagar mulher da sociedade – 27/09/2024 – Mundo

Nenhuma possibilidade de educação além da sexta série. Sem emprego na maioria dos locais de trabalho e sem acesso a espaços públicos como parques, academias e salões de beleza. Proibição de viagens de longa distância se não estiverem acompanhadas por um parente do sexo masculino. Não sair de casa se não estiver coberta da cabeça aos pés.

E o som da voz de uma mulher fora de casa também foi proibido no Afeganistão, de acordo com um manifesto de 114 páginas que codifica todos os decretos do regime do Talibã que restringem os direitos das mulheres.

A grande maioria das proibições esteve em vigor durante a maior parte dos três anos do Talibã no poder, afastando lentamente as mulheres afegãs da vida pública. Mas para muitas mulheres do país, a divulgação do novo documento parece um prego no caixão de seus sonhos e aspirações.

Algumas se apegaram à esperança de que as autoridades ainda pudessem reverter as limitações mais severas, depois que os líderes do Talibã sugeriram que as escolas de ensino médio e as universidades seriam reabertas para as mulheres depois de terem sido fechadas. Para muitas, essa esperança agora foi frustrada.

“Estamos voltando ao primeiro reinado do Talibã, quando as mulheres não tinham o direito de sair de casa“, disse Musarat Faramarz, 23, uma mulher da província de Baghlan, no norte do Afeganistão, referindo-se ao período de 1996 a 2001. “Pensei que o Talibã tivesse mudado, mas estamos vivendo novamente os tempos sombrios anteriores.”

Desde que o Talibã retomou o poder, em agosto de 2021, as autoridades têm sistematicamente revertido os direitos que as mulheres —especialmente as dos centros urbanos menos conservadores— conquistaram durante os 20 anos de ocupação dos EUA.

Atualmente, o Afeganistão é o país mais restritivo do mundo para as mulheres e o único que proíbe o ensino médio para meninas, segundo especialistas.

Os novos regulamentos acenderam o temor de uma repressão iminente por parte de oficiais da chamada polícia do vício e da virtude —os funcionários do governo que vestem trajes brancos e ficam parados nas esquinas para garantir que as leis de moralidade do país sejam cumpridas.

O manifesto define pela primeira vez os mecanismos de aplicação que podem ser usados por esses policiais. Embora tenham frequentemente emitido advertências verbais, esses policiais agora têm o poder de danificar a propriedade das pessoas ou detê-las por até três dias se elas violarem repetidamente as leis de vícios e virtudes.

Segundo analistas, a publicação das leis sobre vícios e virtudes faz parte de um esforço de todo o regime para codificar o funcionamento de todos os ministérios, a fim de garantir sua adesão à visão extremista da lei islâmica, conhecida como sharia, institucionalizada pelo líder do Talibã, Hibatullah Akhundzada. Para os especialistas, o documento também tem a intenção de eliminar todos os princípios ocidentais do governo apoiado pelos EUA que liderava o Afeganistão antes do retorno do Talibã ao poder.

O Talibã tem rejeitado com veemência a pressão externa para diminuir as restrições às mulheres, mesmo que as políticas tenham isolado o Afeganistão de grande parte do Ocidente. As autoridades afegãs defendem as leis como enraizadas nos ensinamentos islâmicos que governam o país. “O Afeganistão é uma nação islâmica; as leis islâmicas são inerentemente aplicáveis em sua sociedade”, disse o porta-voz do governo, Zabiullah Mujahid, em um comunicado.

Mas as normas atraíram críticas generalizadas de grupos de direitos humanos e da missão das Nações Unidas no Afeganistão. A chefe da missão, Roza Otunbayeva, chamou-as de “uma visão angustiante do futuro do Afeganistão” que amplia as “restrições já intoleráveis” aos direitos das mulheres.

Até mesmo os sinais visuais da feminilidade foram lentamente eliminados da esfera pública.

Nos últimos três anos, os rostos das mulheres foram arrancados de anúncios em outdoors, pintados em murais nas paredes das escolas e riscados de pôsteres nas ruas da cidade. As cabeças de manequins femininas, vestidas com abayas [espécie de vestido] totalmente pretas e que escondem tudo, são cobertas com papel alumínio.

Mesmo antes do novo manifesto, a ameaça de ser repreendida pela polícia do vício e da virtude pairava no ar, já que as mulheres eram cada vez mais impedidas de entrar em lugares públicos. “Eu vivo em casa como uma prisioneira”, disse Faramarz, a mulher de Baghlan. “Não saio de casa há três meses.”

A inversão de direitos talvez tenha sido a mais difícil para as meninas que atingiram a maioridade em uma era de oportunidades para as mulheres durante a ocupação dos EUA.

Algumas meninas, determinadas a seguir em frente com sua educação, encontraram maneiras de fazer isso. Escolas clandestinas para mulheres, muitas vezes com pouco mais de algumas dezenas de alunas e um tutor, escondidas em casas particulares, surgiram em todo o país. Outras pessoas recorreram a aulas online, mesmo com a internet instável.

Mohadisa Hasani, 18, começou a estudar novamente cerca de um ano depois que o Talibã tomou o poder. Ela conversou com dois ex-colegas de classe que foram mandados para os EUA e para o Canadá. Ao ouvir sobre o que eles estavam estudando na escola, ela ficou com inveja no início. Mas então viu uma oportunidade.

Ela pediu a esses amigos que passassem uma hora por semana ensinando a ela as lições que eles estavam aprendendo de física e química. Ela acordava para as ligações às 6h e passava os dias entre as chamadas examinando as fotos dos livros didáticos enviadas pelos amigos Mina e Mursad.

“Alguns dos meus amigos estão pintando, escrevendo, fazendo aulas clandestinas de taekwondo”, disse Hasani. “Nossa depressão está sempre presente, mas temos que ser corajosos.”

Rahmani, 43, que preferiu usar apenas seu sobrenome por medo de represálias, disse que começou a tomar pílulas para dormir todas as noites para diminuir a ansiedade que sente em relação ao sustento de sua família.

Viúva, Rahmani trabalhou para grupos sem fins lucrativos por quase 20 anos antes do Talibã tomar o poder, ganhando mais do que o suficiente para sustentar seus quatro filhos. Agora, diz ela, não só não pode sustentá-los, já que as mulheres foram impedidas de trabalhar para esses grupos, como também perdeu seu senso de identidade.

“Sinto falta dos dias em que eu costumava ser alguém, quando podia trabalhar, ganhar a vida e servir ao meu país”, explicou Rahmani. “Eles apagaram nossa presença da sociedade”.

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Fonte: Folha de São Paulo

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