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Afeganistão: Centro de produção da papoula vive decadência – 21/12/2024 – Mundo

Um oásis se estendia longe no deserto, um vasto mar de hastes esmeraldas e flores vermelhas de papoula que cresciam até o horizonte.

O Talibã operava abertamente ali, conduzindo um experimento social diferente de qualquer outro no país. Dezenas, depois centenas, de milhares de pessoas foram para o local para escapar da guerra e cultivar a planta, fugindo dos esforços americanos para erradicar a colheita.

O grupo fundamentalista abriu um hospital para tratar seus feridos e ganhou uma fortuna não apenas com o ópio, mas também com a metanfetamina e impostos sobre mercadorias que entravam e saíam do Afeganistão, trazendo-lhes milhões de dólares todos os meses.

Durante a guerra, este vilarejo remoto tornou-se um laboratório para um futuro Estado controlado pelo Talibã, fornecendo dinheiro para a guerra e um santuário para os homens que combatiam nela.

Tudo isso mudou. Agora, a cidade modelo do Talibã está rapidamente entrando em colapso.

Os mesmos insurgentes que abraçaram o ópio para ajudar a financiar sua guerra puseram fim à prática, ordenando uma proibição que praticamente limpou o Afeganistão de papoula e de outras drogas ilícitas.

O que os Estados Unidos e seus aliados não conseguiram fazer em duas décadas de guerra, o Talibã conseguiu em dois anos de paz. Em uma área onde a papoula antes dominava a paisagem, agora mal resta uma flor.

Centenas de laboratórios montados para processar heroína e metanfetamina foram fechados ou destruídos. O mercado de drogas que alimentava esta parte do sul do Afeganistão foi praticamente esvaziado. E a nação, já cambaleando sem ajuda internacional, perdeu uma parte considerável de sua economia como resultado.

Além disso, o regime Talibã endureceu a cobrança de impostos, deixando os moradores amargurados e irritados. Muitos se mudaram, exceto aqueles muito pobres para partir, como Abdul Khaliq.

“Isso tudo está chegando ao fim”, disse ele, acenando com a mão em direção às aldeias que se esvaziam.

Não havia quase nada neste vilarejo, Bakwa, quando ele chegou há 25 anos, apenas um deserto vazio. Ele construiu um império a partir da areia, vendendo bombas e painéis solares que forneciam água para o boom do ópio, ajudando a transformar Bakwa em um posto avançado para contrabandistas, comerciantes e agricultores.

Agora sua história, como a de Bakwa, fechou o ciclo: os estrangeiros se foram, o Talibã está de volta ao poder, a terra despojada de papoula e o solo retornando ao pó. “É uma questão de tempo”, disse ele.

A guerra no Afeganistão foi muitas coisas: uma missão para eliminar a Al-Qaeda e expulsar o grupo que deu abrigo seguro a Osama bin Laden; um esforço ambicioso para construir um novo Afeganistão, onde ideais ocidentais colidiram com tradições locais; um emaranhado aparentemente interminável, onde vencer às vezes importava menos do que não perder.

E também foi uma guerra contra as drogas.

Os americanos e seus aliados tentaram repetidamente cortar a renda do Talibã e parar a produção de ópio e heroína.

Os Estados Unidos gastaram quase US$ 9 bilhões em ações de erradicação e interdição pesadas, mas o Afeganistão superou seus próprios recordes como o maior produtor de papoula ilícita do mundo.

O que mudou foi onde essa papoula era cultivada. Pouco a pouco, agricultores inundaram desertos outrora vazios no sudoeste do Afeganistão, bolsões áridos de areia com quase nenhuma população antes daquele momento.

No auge, o Talibã supervisionou um narco-Estado aqui, uma operação com centenas de laboratórios de campo processando ópio em heroína e efedra selvagem em metanfetamina para a Europa, Ásia e outros lugares. No final da guerra, Bakwa havia se tornado um entreposto do comércio de drogas, lar do maior mercado de drogas a céu aberto do país.

O Talibã mostrou flexibilidade, tanto moral quanto financeira. Apesar de proibir a papoula por motivos religiosos antes da invasão americana, o Talibã permitiu que os agricultores cultivassem o quanto quisessem durante a guerra.

E eles taxaram isso de forma branda, muitas vezes o que os agricultores podiam pagar, adotando como estratégia conquistar corações e mentes. Eles também taxaram contrabandistas, que estavam felizes em ajudar a financiar uma máquina de guerra que não interferia nos negócios.

Bakwa logo se tornou um incubador para governança. Tribunais do Talibã julgavam todos os tipos de disputas, enquanto milhões de dólares fluíam mensalmente para ajudar a financiar a missão talibã além de Bakwa e do sudoeste.

Autoridades ocidentais miraram nesse dinheiro. Começaram com a erradicação, depois tentaram persuadir os agricultores a cultivar sementes legais, e terminaram com aviões de combate bombardeando laboratórios improvisados feitos de barro.

“Pelo menos US$ 200 milhões dessa indústria do ópio vão para as contas bancárias do Talibã”, disse o general John Nicholson, comandante dos EUA no Afeganistão em 2017, um ano de pico na produção de papoula. “E isso alimenta, realmente paga pela insurgência.”

“O dinheiro da agricultura, incluindo a papoula, financiou a guerra” nessas regiões, disse Haji Maulavi Asif, agora governador do Talibã do distrito de Bakwa. “Mas o dinheiro da cobrança de impostos nessa indústria ajudou a financiar o movimento como um todo.”

Agora que a papoula foi proibida, os agricultores dos quais o Talibã uma vez dependia se sentem traídos, enquanto o grupo fundamentalista tenta governar sem o dinheiro que ela traz.

“Embora economicamente a decisão de proibir a papoula custe muito, politicamente faz sentido”, disse Asif. “Estamos silenciando os países do mundo que dizem que estamos cultivando papoula e participando do comércio global de drogas.”

Os americanos se retiraram definitivamente em 2021 e o Talibã assumiu o controle. Meses depois, o líder supremo, Haibatullah Akhundzada, declarou que o cultivo de papoula estava “absolutamente proibido em todo o país.”

O Talibã afirmou ter prendido inúmeros traficantes, apreendido quase 2.000 toneladas de drogas e invadido centenas de laboratórios de heroína. Em 2023, o Talibã destruiu dezenas de laboratórios em Bakwa, incendiando-os.

Os agricultores culpam o Talibã por sua miséria. Por quase 15 anos, sua papoula —e os impostos que o Talibã coletava dali— apoiaram a guerra dos insurgentes para estabelecer um regime.

Agora que o Talibã conseguiu o que queria, eles esqueceram o povo de Bakwa que tornou tudo isso possível, resmungam os moradores. Agricultores muito pobres para partir agora enviam seus filhos para trabalhar em colheitas em outros lugares, alugando-os como mão de obra.

Como outros, Khaliq responsabiliza o Talibã. Ele sabe que algumas pessoas ainda estão acumulando reservas de ópio para vender a um preço alto, dada a proibição. Os preços mais do que quintuplicaram desde 2021, e alguns ainda estão enriquecendo.

Mas tudo o que ele possui perdeu valor: sua terra e equipamentos, e centenas de painéis solares que estão em fileiras organizadas, esperando por agricultores que nunca voltarão. Os sulcos áridos da terra giram como impressões digitais sobre um deserto monocromático, um lembrete do que foi aquele lugar.

“Esta é a vida”, ele diz. “Tudo acaba. Eu também estarei acabado um dia. Mas mesmo que isso acabe, em algum outro lugar estará começando.”

Fonte: Folha de São Paulo

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