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A convivência entre Irã e Israel nos relatos bíblicos – 03/10/2024 – Cotidiano

Quando vemos os mísseis cruzarem os céus do Oriente Médio entre o Irã e Israel, podemos nos perguntar: esses povos sempre foram inimigos? A resposta é não. Até algumas décadas atrás, a convivência entre judeus e iranianos era bastante pacífica. Na Antiguidade, a situação também foi diferente.

Antes de mais nada, é preciso esclarecer que os Estados modernos de Israel e Irã não são uma simples continuação do Israel bíblico ou da antiga Pérsia. Muito aconteceu em mais de 2.000 anos, e devemos evitar a ilusão de uma genealogia simplista.

Nos dois casos, há uma forte reivindicação de identidade. Para o Irã, considerar-se herdeiro do império Persa permitiu criar a tradição de um passado glorioso, anterior ao surgimento do Islã. Já a identidade do moderno Estado de Israel está fundamentada nas tradições herdadas dos relatos bíblicos.

Dito isso, podemos afirmar que a Pérsia ocupa um lugar particular na Bíblia, sendo vista de forma positiva. Quando comparamos o que os autores bíblicos dizem sobre outros vizinhos, a diferença é clara.

Os assírios e babilônios são descritos como conquistadores cruéis e opressores. A Assíria destruiu o Reino de Israel em 721 a.C. e devastou grande parte de Judá vinte anos depois. A Babilônia manteve controle severo sobre Judá e, quando este se rebelou, destruiu Jerusalém, seu templo, e deportou parte da população sob o reinado de Nabucodonosor.

É verdade que essas catástrofes foram vistas como punição pelo afastamento de Israel e Judá de Yahweh. Assíria e Babilônia foram apresentadas como instrumentos da vontade divina. Ainda assim, a imagem desses impérios é negativa.

A Pérsia, por outro lado, encerrou o exílio babilônico e patrocinou o retorno dos deportados. No Livro de Isaías, o rei persa Ciro, o Grande, é chamado de “messias” ou “ungido” (termo que originou o grego Cristo). Nos textos de Esdras e Neemias, os persas não só permitem como apoiam a restauração da comunidade em Jerusalém e a reconstrução do templo de Yahweh.

No Livro de Ester, a tentativa de exterminar o povo judeu tem um final feliz quando o rei persa descobre que tudo era um complô de seu vizir. O vizir é punido com a morte, e seu lugar é ocupado por Mardoqueu, um judeu.

A visão benevolente da Pérsia tem origem no contexto de produção dos textos bíblicos. Grande parte da Bíblia foi escrita durante a dominação persa. Após derrotar os babilônios em 539 a.C., Ciro construiu o maior império existente até então. Jerusalém era uma pequena província desse império, e seus sacerdotes e intelectuais eram súditos da Pérsia.

A reconstrução de um reino independente era uma possibilidade remota. A elite judaica adotou uma postura de acomodação diante da Pérsia. Poder realizar seu culto religioso, reconstruir a vida social e ser menos explorada por tributos pesados foram razões suficientes para evitar revoltas. As críticas ao domínio persa nunca geraram uma literatura bíblica de oposição.

A Bíblia, como a conhecemos, reflete a visão de seus autores de que o Império Persa era um lugar onde se podia viver em relativa paz, tanto em Jerusalém quanto nas comunidades espalhadas pelos domínios persas, da Babilônia até Elefantina, no Egito. As mudanças de rota entre a Antiguidade e a geopolítica atual tornam mais triste a perspectiva da expansão da guerra na região.

Fonte: Folha de São Paulo

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